Atual sede da Prefeitura de João Pessoa
A estética dualista, de respeito ao passado e de busca pelo novo marcou o início do ecletismo. João Pessoa possui exemplares importantes e imponentes desse estilo arquitetônico.
Ainda sob a poeira da revolução industrial, em meados do século XIX, o mundo, a sociedade e a arte chamados contemporâneos viviam o paradoxo entre manter suas tradições ou romper com um modo de vida, conduta e estética quase dogmáticos. A inquietação do período, seja no interior das famílias burguesas ou nas galerias das cidades cada vez mais povoadas, revelou na arquitetura da época uma estética dualista, entre o respeito ao passado e a busca pelo novo. Era o início do chamado ecletismo.
Casarão dos Azulejos
[...] a arquitetura eclética traz na mistura de materiais e na satisfação de necessidades da burguesia algumas de suas características. Isso porque, além de uma tendência nacionalista, a partir de meados do século XIX os edifícios e a disposição das cidades em geral passaram a ser fortemente influenciadas pela higiene e pelo sanitarismo. Das cores das paredes à instalação de janelas para passagem do vento ou entrada de luz, os edifícios erguidos sob a égide do ecletismo bebiam em várias fontes estéticas para compor a própria forma, mas também tinham o dever de ser funcionais.
Por isso os recuos em todos os lados, em caso de residências, e um bom número de janelas e jardins são algumas das características físicas desse período, que no Brasil estendeu-se até aproximadamente a década de 30 do século XX. Segundo Maria Helena Azevedo, professora de Arquitetura do Unipê e coordenadora da pesquisa Imagem, memória e cidade: o Acervo Fotográfico Humberto Nóbrega, outras característica do ecletismo devem ser ressaltadas. “Na arquitetura residencial podemos citar o uso de mureta com gradil e portão de ferro, jardins nas áreas resultantes dos afastamentos, entrada principal muitas vezes situada na lateral da edificação, abrindo-se para um terraço coberto, uso de colunas em ferro fundido para sustentar a coberta das varandas, fachada trabalhada com ornamentação, uso de elementos como arcos ogivais, arcos góticos ou colunas coríntias. Nos edifícios comerciais é comum encontrarmos cúpulas – como a da Academia do Comercio Epitácio Pessoa”.
Tribunal de Justiça da Paraíba
A cidade de João Pessoa, aliás, possui exemplares importantes – e imponentes para o cenário arquitetônico da cidade – do ecletismo. Além da Academia do Comércio, foram erguidos como fruto dessa inquietação a Associação Comercial do Estado, o Casarão de Azulejos, a Loja Maçônica Branca Dias, o Tribunal de Justiça da Paraíba, o Hotel Globo, o Comando da Polícia Militar e a antiga Prefeitura - atual sede dos Correios, no Centro da Capital. Na arquitetura eclética residencial, Maria Helena Azevedo lista alguns dos principais imóveis construídos por aqui. “As ruas das Trincheiras e Tambiá possuem exemplares clássicos do ecletismo residencial em nossa cidade. Também é possível observá-lo no bairro de Jaguaribe, em residências na avenida Capitão José Pessoa, e nos castelinhos da Praça Bela Vista. Trincheiras e Tambiá representam a expansão urbana da nossa cidade no início do século XX. Era o momento em que as famílias de maior prestígio socioeconômico deixavam as casas geminadas das ruas da Cidade Alta e partiam para morar em edifícios soltos no lote”, explica.
Para um período rico em misturas de técnicas e materiais, idéias e propostas, natural que algumas edificações erguessem em torno de si questões polêmicas. É o caso do Comando da PM e do Hotel Globo. O primeiro, para Maria Helena Azevedo, simplesmente recebeu uma camuflagem de ecletismo. “Aquele era um edifício neoclássico que passou por uma reforma e foi maquiado de eclético. Aliás, o prédio do Comando da PM foi construído para ser o nosso primeiro teatro. No entanto, resolveram mudar a sua função, transferindo para lá o Tesouro Estadual e iniciando a construção do Santa Roza, posteriormente”.
Comando da Polícia Militar da Paraíba
Para a professora Maria Berthilde Moura Filha, do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da UFPB e especialista em Conservação e Restauração de Monumentos e Conjuntos Históricos, o atual Comando da Polícia Militar possui elementos marcantes da linguagem arquitetônica Neocolonial, estilo em voga no Brasil quando da vigência do ecletismo. Já o Hotel Globo “tem em cada um dos seus dois edifícios linguagens arquitetônicas distintas. São todos edifícios produzidos dentro da baliza cronológica da arquitetura eclética, mas é preciso não ser tão generalizante e procurar respeitar as diversas expressões que compõem esta produção eclética”, alerta.
Chamada até bem pouco tempo de “anti-arquitetura”, o ecletismo produzido no Brasil e na Paraíba – mais especificamente João Pessoa – amargou a indiferença até mesmo de órgãos oficiais como o Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Dirigido pelo escritor Mário de Andrade, na década de 30, o SPHAN não escondia sua preferência pela arquitetura do período colonial, deixando de lado os edifícios ecléticos. E ainda hoje é assim. Apesar de contar com exemplares representativos desse período, João Pessoa não possui sequer um imóvel da arquitetura eclética tombado nacionalmente. “Essa preocupação em reconhecer e valorizar a produção desse período é relativamente recente. Até cerca de vinte ou vinte e cinco anos atrás havia um preconceito muito grande com relação a essa arquitetura”, revela Maria Helena Azevedo.
Hotel Globo - Foto: Rino Visani
É preciso admitir que a produção arquitetônica desse período, na Capital, não se compara à de grandes centros como São Paulo e Rio de Janeiro e seu Teatro Municipal, por exemplo. “Mas isso não diminui o valor que nossa arquitetura eclética tem para João Pessoa, enquanto registro de um período histórico de transformações sociais e econômicas marcantes, mostrando que aqui também chegavam as idéias vigentes na época de modernidade e civilização”, ressalta a professora Maria Berthilde Moura Filha. Valorizar a diversidade incrustada nas paredes, janelas e cúpulas dos edifícios ecléticos da cidade faz-se extremamente necessário. Para que, em meio a agora fina poeira da revolução industrial, permaneçam firmes as colunas, jardins e gradis desse período. Às ruínas, o descaso e a indiferença de quem tenta ignorar a história construída em ferro, cimento, vidros, ousadia.
Texto: Henrique França
Fotos: Diego Carneiro
Fonte: http://www.artestudiorevista.com.br/pagina.php?id=153&rev=18
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