Pular para o conteúdo principal

Decadência e abandono do Engenho Corredor de Zé Lins - provocações de uma “expedição pedagógica"




Outras dependências do engenho (local do processamento do açúcar e os armazéns). Fotos de Erinaldo Alves.







Fotos da fachada principal e do interior da Casa Grande do Engenho Corredor - Pilar/PB. Fotos: Erinaldo Alves

Tive o privilégio de ler, ainda adolescente, os romances de José Lins do Rêgo. As páginas envolventes de “Menino de Engenho”, “Doidinho” e “Fogo Morto” povoaram minha imaginação com imagens da cidade de Pilar e do Engenho Corredor, também conhecido como “Santa Rosa”. No dia 30 de Maio de 2008, tive a oportunidade de confrontar as imagens idealizadas pela minha mente com as “reais” obtidas a partir de observações do local. A oportunidade surgiu com uma viagem – denominada “expedição fotográfica à cidade de Pilar/PB” – realizada com o propósito de registrar em imagens alguns cenários relacionados ao universo geográfico e cultural da obra de José Lins do Rego.
Trata-se de uma programação alusiva à comemoração, em 2008, do ano cultural José Lins do Rego, promovida pela Secretaria de Educação do Município de João Pessoa. A expedição, deste dia, envolveu o professorado de Artes e Educação Física. Na mesma semana, outras turmas de docentes das áreas de História, Geografia, Ensino Religioso, Português e do Fundamental I realizaram o mesmo roteiro. Tais disciplinas foram envolvidas para se articularem em torno de um projeto interdisciplinar. Considero tal iniciativa muito importante porque ajuda a familiarizar o professorado e o alunado com as principais personalidades da arte e da cultura paraibana. A minha participação foi possível porque integro a equipe de ministrantes da formação continuada da área de Artes Visuais, o que revela uma importante articulação entre o Ensino Superior e a Educação Básica, entre a UFPB e a Prefeitura Municipal de João Pessoa.
A viagem permitiu-nos, além de uma aproximação maior com o professorado de artes da rede municipal, conhecer a histórica cidade de Pilar, fundada em 1885, e nos surpreender com o abandono ao qual está submetido o famoso Engenho Corredor, local onde José Lins do Rego nasceu e viveu sua infância. Pude realizar algumas fotos, cujas imagens e impressões impulsionaram-me a escrever como uma forma de protesto.
O imponente, glorioso e instigante engenho dos relatos de José Lins está ameaçado de desabamento, transformado em escombros, em abrigo de maribondos e morcegos, cheio de pichações no seu interior. Em vez de reforçar o prazer, provocado pela memória dos textos de José Lins, tive receio e medo ao adentrar no Engenho na situação atual em que se encontra. A Casa Grande do engenho e as demais habitações e armazéns parecem um cemitério abandonado.
Esta situação não pode continuar.
Vivemos um momento no qual o Governo Federal, via o Ministério da Cultura, incentiva a criação de museus e bibliotecas. Há várias linhas de financiamentos, as quais podem ser facilmente localizadas no site oficial do referido Ministério. É preciso impedir que o conjunto arquitetônico, tombado por meio do Decreto Estadual nº. 20.137, de 02 de dezembro de 2008, desmorone.
O Ministério Público Federal formalizou, em 2007, uma ação ajuizada com o objetivo de garantir a recuperação e a preservação do patrimônio histórico do Engenho Corredor, tendo como réus os proprietários, que especulam com a destruição do patrimônio cultural, o Governo do Estado e o IPHAEP, omissos ao assistirem passivamente à destruição.
O Engenho Corredor é um importante exemplo do que fazemos com a nossa memória e o nosso patrimônio cultural: deixamos que vá ruindo até desaparecer, quer seja por uma restrita visão comercial ou por uma simples omissão governamental.
A Paraíba está fazendo com a memória de José Lins, o contrário do que faz a cidade de Granada, no sul da Espanha, com a memória do poeta Frederico Garcia Lorca. Em Granada, tive o privilégio de visitar, por exemplo, a casa da família Lorca, onde viveu o poeta de 1926 até o início da Guerra Civil espanhola, em 1936, quando foi assassinado por nacionalistas, acusado de subversão, por nutrir visões socialistas e por se assumir como homossexual. A casa de Lorca está preservada, com o mobiliário da época. Integra um importante roteiro turístico e cultural, ao lado do imponente conjunto arquitetônico conhecido como “Alhambra”, castelo construído pelos islâmicos, além das das tradicionais casas decoradas com pratos de cerâmica e plantas que tão bem caracterizam a bela cidade espanhola de Granada.
O Governo do Estado quer fortalecer o turismo para criar empregos na Paraíba. Isso só é possível enaltecendo o que a Paraíba tem de singular e de importante do ponto de vista social e cultural. A obra de José Lins do Rego é conhecida nacional e internacionalmente. Pilar e o Engenho Corredor são testemunhos arquitetônicos, sociais e culturais da história cultural do Brasil e da Paraíba. As ruínas do Engenho Corredor clamam por ação e articulação política. Outros leitores dos romances de Zé Lins têm o direito de confrontar a visão idealizada de Pilar e do Engenho Corredor com imagens concretas de um belíssimo conjunto arquitetônico. Escrevo para fazer ecoar o meu grito para que a cidadania cultural, relacionada com o universo literário de Zé Lins, não possa ser obstruída. Viva a memória do Engenho Corredor!
Erinaldo Alves

Comentários

Adriana do Canto disse…
Obrigada por ter publicado essa fotos, fiquei muito curiosa de saber o que se escondia por dentro dessa casa em ruínas do nosso José Lins do Rego.Tive medo de encarar o mato que cobria todo o lugar.Mas, quero parabenizá-lo
pela sua coragem e pelas imagens.
Adriana Pessôa
Anônimo disse…
Este comentário foi removido por um administrador do blog.
Charlys Rocha disse…
Este comentário foi removido pelo autor.
Charlys Rocha disse…
Agora fiquei com vontade de conhecer !!

Postagens mais visitadas deste blog

CULTURA E BELEZA...

Os padrões estéticos são diferentes para diversos povos e épocas. Muitas vezes o que consideramos algo bizarro e feio, para alguns povos é algo com significado especial e uma busca por outro padrão de beleza. Na África diversos povos possuem algumas práticas e costumes que podem parecer bizarros para os ocidentais. O povo Mursi, na Etiópia, costuma cortar o lábio inferior para introduzir um prato até que o lábio chegue a uma extensão máxima, costuma pôr também, no lóbulo da orelha. Ao passar dos anos, vão mudando o tamanho da placa para uma maior até que a deformação atinja um tamanho exagerado. Tais procedimentos estão associados a padrões de beleza.[...] As mulheres do povo Ndebele, em Lesedi, na África, usam pesadas argolas de metal no pescoço, pernas e braços, depois que casam. Dizem que é para não fugirem de seus maridos e nem olharem para o lado. Esse hábito também pertence as mulheres do povo Padaung, de Burma, no sudoeste da Ásia, conhecidas como “mulheres girafas”. Segundo a t

Iluminogravuras de Ariano Suassuna

1) Fundamentos da visualidade nas imagens de Ariano Suassuna: - É herdeiro de uma visão romântica: “invenção de uma arte tipicamente nacional”. - O nordeste surge como temática privilegiada no modernismo, especialmente, após a década de 1930; - Ariano acredita que a “civilização do couro” gestou nossa identidade nacional; - Interesse por iluminuras surgiu a partir de A Pedra do Reino 2)Iluminuras Junção de Iluminuras com gravuras. É um tipo de poesia visual: une o texto literário e a imagem. Objeto artístico, remoto e atual, que alia as técnicas da iluminura medieval aos modernos processos de gravação em papel. 3) Processo de produção de iluminuras Para confeccionar o trabalho, Ariano produz, primeiro, uma matriz da ilustração e do texto manuscrito, com nanquim preto sobre papel branco. Em seguida, faz cópias da matriz em uma máquina de gráfica offset; Depois, cada cópia é trabalhada manualmente: ele colore o desenho com tintas guache, óleo e aquarela, por meio do pincel. - Letras – ba

RCNEI - Resumo Artes Visuais

Introdução: As Artes Visuais expressam, comunicam e atribuem sentidos a sensações, sentimentos, pensamentos e realidade por vários meios, dentre eles; linhas formas, pontos, etc. As Artes Visuais estão presentes no dia-a-dia da criança, de formas bem simples como: rabiscar e desenhar no chão, na areia, em muros, sendo feitos com os materiais mais diversos, que podem ser encontrados por acaso. Artes Visuais são linguagens, por isso é uma forma muito importante de expressão e comunicação humanas, isto justifica sua presença na educação infantil. Presença das Artes Visuais na Educação Infantil: Idéias e práticas correntes. A presença das Artes Visuais na Educação Infantil, com o tempo, mostra o desencontro entre teoria e a prática. Em muitas propostas as Artes Visuais são vistas como passatempos sem significado, ou como uma prática meramente decorativa, que pode vir a ser utilizada como reforço de aprendizagem em vários conteúdos. Porém pesquisas desenvolvidas em diferentes campos das ciê