Buracos, 1996/2002 - fotografia 150 x 100 cm. Foto: Marcos Chaves
Sobre a exposição na Galeria Arte Futura
Sobre a exposição na Galeria Arte Futura
Marcos Chaves – Vazio e Totalidade
LIGIA CANONGIA
[...] A série fotográfica dos Buracos, a exemplo dos banquinhos, também alveja uma direção dupla: artística e política. Marcos Chaves apropria-se das “soluções” criativas do povo, ao tramitar, brincando, na área pública da “sinalização urbana”. Dadaísta de alma, o povo brasileiro das metrópoles inventa arranjos e justaposições irônicas e hilárias para driblar o descaso público, como os assemblages espontâneos que constroem para sinalizar os buracos das ruas. Chaves vê nessas “construções” verdadeiros readymades urbanos, prontos para serem clicados, numa apropriação rápida e eficaz dessas antiformas populares, plenas de humor. E a operação fotográfica, avesso radical da manualidade virtuose dos pré-modernos, é o instrumento perfeito para a captação necessariamente veloz desses “acidentes criativos”, com que nos deparamos no dia-a-dia. O readymade surgiu para declarar a falência do “fazer” pictórico, do exercício progressivo e lento desse fazer manual e compositivo. Na verdade, o readymade foi o sinal da impotência do pintor na sociedade industrial, e seu aparecimento deveu-se ao declínio da pintura e à redenção da arte enquanto idéia. O métier pictórico foi impotente para enfrentar a realidade da máquina, incluindo a da máquina fotográfica.
A mesma lógica que preside o ato fotográfico governa o ato duchampiano. O readymade, como a fotografia, suspende o objeto do contínuo de seu tempo e de seu meio original, da cadeia progressiva, evolutiva, separando uma fatia do mundo do resto do mundo. O readymade é outra espécie de cut, que interrompe, assim como a foto, o fluxo normal de um objeto. O disparo que fundamenta a operação fotográfica é o mesmo disparo que isola, no readymade, uma porção do mundo.E é importante sublinhar que Marcos Chaves não é fotógrafo, não pretende que as imagens fotográficas sejam “artísticas”, a foto sendo tão-somente esse recorte que assimila imediatamente a fatia do real que lhe interessa. O readymade não precisa ser um objeto, uma coisa, ele pode ser a paisagem, uma cena de rua, algo que o artista se apropria como “já feito”. Os Buracos “reais”, no perfil que assumem com as interferências populares, têm uma sobrevida fugaz, e são resultado de uma ação incisiva e satírica que só pode ser “eternizada” com a ação igualmente breve, mas eterna, do clique fotográfico. Ao disparar seu olhar sobre essas intervenções, colhê-las e torná-las obras, Marcos Chaves prolonga a duração desses acontecimentos, contrariando a sua sorte acidental. Congeladas no tempo perpétuo da fotografia, as intervenções, feitas para durar o tempo preciso até sua coleta por um caminhão de lixo, transformam-se em “monumentos” urbanos, suspensos “na interminável duração das estátuas”.1
O buraco é a falta, o vazio, o lugar que nos solicita imediato preenchimento para que não nos deparemos com o fato insuportável da ausência. O buraco é ainda o desconhecido, a ameaça, o lugar da queda, do perigo e da morte. As interferências populares nos alertam para esses temores, nos protegem, sinalizando a iminência do desastre, e o fazem com o humor e a irreverência de quem ilude e desfaz as armadilhas da fatalidade. Reagem à morte com o humor que, no dizer de Chaves, “é uma forma de tirar a tragicidade das coisas”. O buraco ressurge então como espaço de criação, de vida, de pulsação, justo as qualidades que a fotografia, enquanto meio, congela, e que a arte de Marcos Chaves, como expressão da ambivalência, retém, mas vivifica. “Come into the (w)hole”!.
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