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QUESTÕES ATUAIS SOBRE O ENSINO PARA DEFICIENTES AUDITIVOS NO BRASIL

Autoria: Madalena Aparecida Silva Francelin* e Telma Flores Genaro Motti**

O aluno com deficiência auditiva

Um aspecto a ser comentado é a classificação da pessoa com necessidade especial, passível de crítica por levar ao rótulo que tem a deficiência como uma desvantagem, um desvio da norma, ocasionando segregação e marginalização. Na perspectiva da inclusão, esse problema deixa de existir, pois todos estão sob o princípio da igualdade. Mas é inegável que cada aluno tem a sua própria história composta pelo seu ambiente familiar, social, econômico, emocional, além das suas condições orgânicas. Especialmente na deficiência auditiva, a "história" do aluno precisa ser conhecida para ser melhor aproveitada. Mais do que isso, é determinante quanto ao tipo de escola e recursos que podem proporcionar seu melhor aproveitamento.

Couto-Lenzi (1997) expõe muito claramente a condição do indivíduo com deficiência auditiva. Sua única limitação seria na percepção dos sons, que pode afetá-lo em diferentes graus. Mas o avanço científico e tecnológico é capaz de proporcionar dispositivos que favorecem sua capacidade de compreensão.

O grande obstáculo é o acesso a tais aparelhos e aos atendimentos especializados. Se o AASI hoje é oferecido pela rede pública a exemplo do serviço realizado no Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais-USP, em Bauru-SP, o atendimento terapêutico está longe de ser uma realidade para a criança deficiente auditiva.

Sob este aspecto, há o direito do indivíduo surdo de integrar-se e exercer sua cidadania e, há sua potencialidade de realização, que se constitui em promessa na exata medida da condição sócio-econômico-cultural da sua família.

Historicamente, segundo Soares (1999), a educação do surdo voltou-se mais ao desenvolvimento da comunicação do que à transmissão de conhecimentos, situando-se no âmbito da caridade e filantropia, desvinculada da educação como direito de liberdade e igualdade. Manteve assim o estereótipo da incapacidade de aprender por não ouvir.

Ainda hoje o trabalho com o deficiente auditivo é controverso. Existem duas grandes linhas: a oralista, com métodos que utilizam o treinamento oral, e a Língua de Sinais. De acordo com Bueno (2001), o século XIX caracterizou-se pelo domínio da linguagem gestual sob influência do Instituto de Surdos de Paris, criado pelo Abade de L'Epée. Em 1880 o II Congresso Mundial de Educação de Surdos, em Milão, considerou o oralismo como o método mais adequado, pela possibilidade de integração do indivíduo à sociedade.

No entanto, o sistema educacional com classes e escolas especiais favoreceu a segregação e o surgimento das comunidades surdas. Nos anos 70, a partir dos EUA, movimentos favoráveis à Língua de Sinais como uma língua mais completa, que permitia o desenvolvimento global dos surdos, culminaram na proposta bilingüe que defende o acesso a Língua de Sinais, da comunidade surda, e a oral e escrita, do grupo majoritário.

A Declaração de Salamanca promulgada nessa época, reconhece a Língua de Sinais e a possibilidade de sua utilização para a educação dos surdos, bem como a manutenção dos sistemas especiais de ensino como classes e escolas especiais (Bueno, 2001).

No Brasil, a maioria dos deficientes auditivos que tem acesso à escola e atendimento especializado tem sido tratada por métodos que visam a comunicação oral. Se por um lado muitas crianças apresentam bons resultados com este método, outras, devido à perda auditiva profunda ou a dificuldades próprias, não conseguem o mesmo aproveitamento.

Em se tratando de aluno com deficiência auditiva, o que parece certo é que não se deve pautar pelo maniqueísmo; não há uma regra ou uma receita que garanta o bom resultado. Cada criança tem sua história e, sem dúvida, o professor e a escola terão papel decisivo no seu desempenho.

De qualquer forma, por uma ou outra opção, poucos são os casos bem sucedidos. O motivo real do fracasso não parece estar pois, nessa escolha, feita pela família ou imposta pela conjuntura onde a mesma se insere. Parece lícito supor que o desenvolvimento insatisfatório dos surdos sofreu até agora as mesmas conseqüências da falta de uma política educacional democrática efetiva que extrapolasse os muros escolares e permeasse a construção dos futuros cidadãos, sem os preconceitos até agora arraigados.

Uma pesquisa que ilustra as dificuldades enfrentadas pelos deficientes auditivos na escola foi realizado por Gatti (2000), em Bauru-SP. A autora analisou 27 deficientes auditivos com 7 a 14 anos, matriculados em escolas regulares ou não. Constatou que 92,5% freqüentavam o ensino regular, porém, o sistema educacional não oferecia um atendimento adequado pois os alunos com perda auditiva grave (22,2%) necessitavam de recursos que não estavam disponíveis. As famílias adotaram procedimentos paralelos, tais como terapia fonoaudiológica e reforço pedagógico, para que esses alunos, principalmente os que apresentavam perdas graves, tivessem meios para um processo de reabilitação mais eficaz e com possibilidades de sucesso.

Dentre os indivíduos pesquisados, 70,3%, freqüentavam a rede pública de ensino e 14,8% a rede particular. Dos que se encontravam na rede particular, 48,1% faziam também reforço pedagógico. Em relação aos alunos da rede pública, somente 7,4%, com perdas auditivas de severa a profunda, freqüentavam a classe especial.

A pesquisa mostrou também que os indivíduos com perda de audição de grau leve a moderado não encontraram grandes obstáculos para o processo de escolarização e freqüentavam séries compatíveis com a faixa etária (40,8%). Já nos 22,2% dos indivíduos com perdas severa a profunda, ficou evidente a dificuldade acadêmica diante da incompatibilidade da faixa etária com a série escolar.

De acordo com dados do Censo Escolar do MEC até 1999 (Brasil, 2001a), os deficiente auditivos constituíam 12,8% dos alunos matriculados com necessidades especiais. A grande maioria (31.825 de um total de 47.810) estava no ensino fundamental. Apenas 899 tinham chegado ao ensino médio. A pré-escola, essencial para o desenvolvimento da criança deficiente auditiva, contava com apenas 6.618 alunos matriculados. Tais números mostram o insucesso do deficiente auditivo no sistema mantido até então, apesar dos recursos disponíveis: ensino itinerante, sala de recursos e classe especial.

Considerações finais

A proposta inclusiva tem se mostrado irreversível; de 1998 a 2000 o número de alunos portadores de necessidades especiais atendidos em classes comuns passou de 41,2 mil para 75,3 mil, com aumento mais significativo na região sul (Brasil, 2001b). O grande desafio é dar-lhe sustentação. De acordo com Martins (2001), as barreiras enfrentadas são inúmeras devido as atitudes preconceituosas que permeiam as práticas sociais, difíceis de serem modificadas e, a legislação, por si, só não garante as mudanças. As escolas carecem de investimentos, precisam ser equipadas para atenderem a clientela portadora de deficiências e os professores precisam ser preparados. Poucos são os professores que passaram por cursos na área do ensino especial.

A simples transferência do aluno portador de deficiência para a sala de aula comum só vai garantir a convivência com os colegas. Para o sucesso acadêmico, por menor que seja, são necessárias mudanças estruturais, pedagógicas, até para que o professor não se sinta responsável por falhas que não lhe dizem respeito diretamente.

A escola inclusiva depende de adaptações de grande e médio porte. As de grande porte são de responsabilidade dos órgãos federais, estaduais e municipais de educação; as pequenas mudanças competem aos professores, que devem procurar recursos para especializar-se .

Os princípios norteadores da educação em nosso país ainda são baseados na normalização e integração que não priorizam o respeito às diferenças. A realidade tem demonstrado que os direitos de todos os deficientes só vão se efetivar se houver na sociedade mudanças de atitudes que estão enraizadas em valores fortemente construídos.

Se houve um avanço na democratização do acesso à educação - embora a grande maioria dos deficientes ainda não freqüente as escolas - a política educacional ainda é frágil, a ação conjunta da educação regular e especial ainda não é consistente, os professores ainda sofrem pelo despreparo, o apoio de equipes especializadas que auxiliem no esclarecimento das potencialidades dos alunos ainda não é uma realidade.

Ao oportunizar o acesso ao sistema regular de ensino aos indivíduos com necessidades especiais e estes não conseguirem se adaptar, devido a escola não estar pronta para recebê-los, o processo pode contribuir mais uma vez para a segregação.

Por fim, a contribuição dessas reflexões é reelaborar questões: Qual a inclusão que se pretende para o deficiente auditivo: a freqüência a classe regular ou o acesso ao conhecimento compatível com seu potencial cognitivo e faixa etária? Qual o caminho que trará a necessária independência que o mundo atual exige de todos os seres humanos? Para cada situação surgirá uma ou mais respostas possíveis mas o importante é manter o indivíduo em primeiro plano, carregando sua história, cercado pela sua família e sua comunidade.

Referências Bibliográficas

BRASIL. Constituição Federal de 1988.

BRASIL. Lei 9394 de 24 de dezembro de 1996.

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BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Especial. Relatório de Gestão 2000. http://www.mec.gov.br/seesp/relat/gestao.shtm, 2001b.

Bueno, J.G.S. - Educação especial brasileira: integração/segregação do aluno diferente. São Paulo, EDUC/PUCSP, 1993.

Bueno, J.G.S. - Educação inclusiva e escolarização dos surdos. Integração, n.23. p.37-42, 2001.

Declaração de Salamanca e Linha de ação sobre as necessidades educativas especiais. In: Conferência Mundial sobre necessidades educativas especiais: acesso e qualidade. Brasília: CORDE, 1994.

Couto-Lenzi, A. - A integração das pessoas surdas. Espaço, v.7 (jan./jun.), p.22-25, 1997.

Ferreira, J. R. A exclusão da diferença. Piracicaba: Unimep, 1994.

Forest, M.; Pearpoint, J. Inclusão: um panorama maior. In: Mantoan, M.T.E. (org.) - A integração de pessoas com deficiências: contribuições para uma reflexão sobre o tema. São Paulo, Memnon, 1997.

Gatti, G. G. Situação escolar e familiar das crianças e adolescentes deficientes auditivos. Bauru. 2000. Trabalho de conclusão de curso - Faculdade de Serviço Social de Bauru.

Martins, L.A.R. - Por uma escola aberta às necessidades do aluno. Temas sobre Desenvolvimento, v.10, n.55, p.28-34, 2001.

Nunes, L.R.O.P.; Glat, R.; Ferreira, J.R.; Mendes, E.G. - Pesquisa em Educação Especial na pós-graduação. Rio de Janeiro, Sette Letras, 1998.

Sassaki, R.K. - Inclusão: construindo uma sociedade para todos. Rio de Janeiro, WVA, 1997.

Soares, M.A.L. - A educação do surdo no Brasil. Campinas, SP: Autores Associados; Bragança Paulista: EDUSF, 1999.

Fonte: http://www.ines.org.br/paginas/revista/TEXTO3.htm

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