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A cerâmica de Mary di Iorio





Fonte das imagens: http://www.rioartecultura.com/marydiiorio.htm

E Mary Di Iorio, como situá-la no amplo e diversificado universo da cerâmica brasileira conteporânea? Em primeiro lugar, é preciso destacar o fato de que, nela, aparecem interligados a criação, o ensino e a reflexão. Já fiz menção ao inventário bibliográfico que ela realizou da cerâmica no Brasil, que apesar de concluído permanece lamentalmente inédito, por falta de apoio editorial. Paralelamete, Mary tem publicado no Brasil e no exterior, artigos e ensaios. Montou e dirigiu, entre 1972 e 1977, o departamento de artes plásticas da Universidade Federal de Uberlândia, em Minas Gerais, criando uma cadeira de cerâmica, da qual foi titular durante cerca de duas décadas.

É claro que esta atividade reflexiva e pedagógica repercutiu muito em seu processo criador. A este respeito eu diria que sua obra é um ponto de equilíbrio entre as diversas tendências vigentes na cerâmica brasileira e mundial nas duas últimas décadas. Apesar de oriundi, Di Iorio é mineira de Belo Horizonte. e isto significa dizer que nela prevalecem certos valores atávicos da mineiridade - equilíbrio, comedimento . vontade de ordem, fugindo sempre dos extremos, Sua cerâmica distancia-se tanto do utilitarismo quanto da expressão catártica, que muitas vezes. como temos visto, resvala para a exacerbão erótica e mesmo para a morbidez escatológica. Ela não é nem antropológica nem pretensamente espiritualista. Sua cerâmica não abriga conteúdos feministas e tampouco é recptáculo arcaizante. Vale dizer. Não é ilustrativa de modismos temáticos nem se prende a dogmas formalistas. Assim, arrisco-me a dizer que são exatamente estas ausências que definem sua presença irrecusável na cerâmica brasileira.

Vistas como unidades significativas, podem sugerir analogias com casulos, novelos, cápsulas, ampolas, tonéis, sementes etc. Mas estas alusões figurativas perdem sentido quando estas unidades passa a integrar conjuntos ou formam estruturar, como nos seus trabalhos mais recentes.

A perfuração que encontramos em suas "cápsulas" não deve ser vista como eventual metáfora do corpo feminino. mas sentido que Lucio Fontana deu corte em telas, revelação de uma espacialidade escondida. Não se trata. como em tantos outros ceramistas, de uma irrupção erótica. Mas de um gesto que interrompe a continuidade da superfície. As ranhuras que circundam toda a volumetria da peça e que se completam na assinatura da artista, da mesma forma não devem ser vistas como uma expansão informalista. Pelo contrário, a continuidade do sulco ou incisão, permite resgatar o movimento original, que associando o torno e a mão, viabilizou a existência da obra. Graças a estas ranhuras. o olho refaz, gestalticamente, o gesto fundador da obra. O efeito é, portanto, cinético.

Metódica e coerente, avançando sem saltos e sobressaltos, Mary Di Iorio nunca perde o controle de sua proposta estética.

Da matéria bruta a forma, da desordem à ordem, da imprecisão do barro à precisão do desenho, enfim, do caos da matéria prima original ao cosmos da obra conclusa, é assim que sua obra, se realiza. Isto fica muito claro quando percorremos as imagens do livro que ela publicou, ilustrando as diversas etapas de seu trabalho criador e as muitas alternativas estruturais e ambientais que ele possibilita. Numa dessas imagens, a mão da artista, amassa o barro, como que impulsionada por forte emotividade.
Na verdade, antes que ela puzesse a mão na massa, já havia definido, numa série de croquis, sua vontade de forma.

O desenho nítido, forte e vigoroso, delimita a forma e o volume, virtualiza o movimento, indicando, ao mesmo tempo, sua adaptalidade a diversos contextos e estruturas de arranjo. Mary Di Iorio restringiu deliberadamente seu vocabulário formal - forma ovóide, corte e ranhuras - com a intenção, clara, de verticalizar os resultados.

Houve momentos em que Di Iorio instalou seus "casulos" sobre a grama tendo como suporte estruturas metálicas ou as "amarrou" junto a árvores, como se fossem a borracha extraída dos seringais. Outras vezes deixou suas formas ovaladas como que flutuarem sobre rios e lagos, proximas a cachoeiras, contrapondo a estabilidade momentânea dos seus sólidos cerâmicos heraclitiana das águas, provocando,efeitos de luz e sombra, irizações impressionistas.

Em suas obras recentes. aqui expostas, Mary Di Iorio abandona os anteriores cenários naturalistas e ecológicos, assumindo uma postura nitidamente construtiva. Seus novos trabalhos são formações geométricas e pseudo-arquiteturas implicidamente monumentais, que se erguem diretamente do chão.
Na verdade, estas novas estruturas cúbicas e piramidais estão montadas sobre discretíssimos suportes de acrílico transparente e, assim elas parecem flutuar sobre o piso, como antes, sobre as águas do rio. O que conta agora não é mais a unidade e seu invólucro artesanal, a peça única mas o múltiplo, a estrutura mudular, oferecendo possibilidades praticamente ilimitadas. Este e um salto qualitativo importante, que abre uma nova vertente, um veio riquíssimo e renovador da cerâmica brasileira.

Frederico Morais

Fonte: http://www.marydiiorio.com.br/ceramica_port.htm

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