Pular para o conteúdo principal

4.2 Cor e Gênero

A cor pode ser um importante significante de gênero. Pense na tradicional oposição entre as roupas de bebê azuis e cor de rosa, ou os marrons e cinzas que dominam as roupas dos homens e os tons mais claros que estão associados às roupas femininas. O modo como os brinquedos são embalados, catalogados e divulgados demonstram a enorme prevalência de ‘pink’ em brinquedos para meninas. Um catálogo da Barbie inclui moveis cor de rosa (na ‘Boutique da Noiva’), vestidos cor de rosa, um ‘Motor home’ cor de rosa, além de muito rosa nas letras e no fundo das fotos e do texto. Até mesmo a web page tem um fundo cor de rosa. Assim, em nossa sociedade, o rosa ou ‘pink’ possui uma associação inegável com o feminino. Entretanto, não existe apenas um tom de rosa. Existem todos os tipos de malva, púrpuras róseos, púrpuras azulados, indo do pálido ao quente e profundo, e do claro ao escuro ameaçador – e isto significa que também pode haver mais de um tipo de ‘feminilidade’.


Figura 4 – Fotos tiradas do catálogo Playmobil.

Outras cores, como o azul para meninos, ou cores escuras para homens, trazem consigo valores associados à idéia de ‘masculinidade’. Mas, na cultura popular contemporânea, estes valores não são codificados de modo explícito. Eles parecem simplesmente emergir da nossa experiência com o tipo de coisas que são cor de rosa ou malva na natureza e na cultura, sofrendo um ajuste fino dos sobre-tons simbólicos de ‘escuro’, de ‘claro’ e de ‘intenso’, que podem criar tipos de ‘feminilidades’ e de ‘masculinidades’ ‘escura’ ou ‘clara’, ‘pálida’ ou ‘intensa’.

Uma comparação entre dois catálogos coloridos e lustrosos da Playmobil, um de 1993 [fig. 4] e outro de 1999 [fig. 5], revela algumas diferenças notáveis. No catálogo de 1993, a maioria dos brinquedos ilustrados está relacionada à vida cotidiana (vida na fazenda, vida em casa, atividades de férias, construção de estradas, a polícia, a ambulância, e assim por diante) – e os tons de rosa, malva e púrpura estão quase que completamente ausentes. As únicas exceções são o navio pirata, o circo e a mansão vitoriana do século XIX: há púrpura rosado em algumas das roupas dos piratas e nas flores da ilha deserta; vemos púrpura rosado nos trajes do encantador de serpentes e no tecido decorado sobre o dorso do elefante. E púrpura rosado no casaco do cavalheiro vitoriano, como também no fundo atrás da mansão.

No catálogo de 1999, o mundo real abriu espaço para o mundo da imaginação: a floresta encantada, a expedição do século XIX na selva, o Oeste Selvagem, o palácio de contos de fadas. E tons de rosa, malva e púrpuras de diferentes tons de escuro e intensidade dominam todo o catálogo. Porém, quando olhamos com mais atenção para esses dois mundos, o mais realista e o mundo fantástico, começamos a notar contrastes interessantes – o mundo dos meninos tende a ser mais escuro e mais intenso. Quase que invariavelmente invoca mistério e perigo – as cores escuras e intensas estão no céu por trás de um alce confrontado com uma matilha de lobos, numa tempestade violenta, e na floresta encantada. O palácio de contos de fadas, em contraste, exibe mais tons de rosa e é mais brilhante. A sensação de mistério e aventura desaparece, substituída por uma atmosfera de romance. As cores do palácio lembram o rosa pastel e os azuis d’O Jardim das delícias de Bosch (reproduzido em MURRAY, 1963, p. 224), que evoca uma sensação de tranqüilidade, sossego, feminilidade.

Voltando ao catálogo da Barbie, podemos ver como diferentes tons de rosa são usados - o rosa claro, por exemplo, é ligado à inocência infantil (‘Shelly Playhouse’) e à vida familiar (‘Motor home’). Tons mais escuros estão relacionados à Barbie adolescente, e são também encontrados no banheiro, na ‘Boutique da Noiva’, na cena em que Barbie, vestida em trajes de banho ‘rosa choque’, dirige seu ‘sun wheeler’ para a praia, ‘pronta para divertir-se ao sol’ – em resumo, sempre que surge a possibilidade da sexualidade.


Figura 5 – Fotos tiradas do catálogo do Action Man.



Tons de rosa, malva e púrpura são relativamente raros na natureza, vistos somente em flores ou pedras preciosas, ou em manchas coloridas de aves tropicais. Esta raridade constitui a chave para seu significado potencial. Um fator semântico isolado está sempre presente quando estes tons são empregados – significam ‘o que não é comum, mas sim especial’ (daí seu uso nos trajes cerimoniais especiais de bispos, reis, etc.). Contexto e grau de escuro e intensidade irão enfatizar ainda mais esse significado especial, por exemplo, tendendo na direção do mistério, ou do perigo, ou da sexualidade. Ainda assim, é possível que essas cores atuem de forma intertextual como pano de fundo em qualquer interpretação mais restrita: no mundo dos brinquedos infantis, a sexualidade sempre será misteriosa e perigosa, por exemplo, e o perigo também pode ser sexualmente excitante. E como os mesmos tons de rosa, malva e púrpura não apenas predominam nos catálogos de brinquedo, mas também nos cenários de programas de televisão e na decoração dos interiores dos espaços públicos e privados, a mesma atitude talvez permeie o todo de uma sociedade pós-moderna, que é simultaneamente cheia de riscos e saturada de sexualidade.

Autores: Carmen Rosa Caldas-Coulthard e Theo van Leeuwen
Fonte: http://www3.unisul.br/paginas/ensino/pos/linguagem/0403/01.htm

Comentários

Anônimo disse…
COM ESSA PÁG.EU CONSEGUI REALIZAR O MEU TRABALHO

Postagens mais visitadas deste blog

CULTURA E BELEZA...

Os padrões estéticos são diferentes para diversos povos e épocas. Muitas vezes o que consideramos algo bizarro e feio, para alguns povos é algo com significado especial e uma busca por outro padrão de beleza. Na África diversos povos possuem algumas práticas e costumes que podem parecer bizarros para os ocidentais. O povo Mursi, na Etiópia, costuma cortar o lábio inferior para introduzir um prato até que o lábio chegue a uma extensão máxima, costuma pôr também, no lóbulo da orelha. Ao passar dos anos, vão mudando o tamanho da placa para uma maior até que a deformação atinja um tamanho exagerado. Tais procedimentos estão associados a padrões de beleza.[...] As mulheres do povo Ndebele, em Lesedi, na África, usam pesadas argolas de metal no pescoço, pernas e braços, depois que casam. Dizem que é para não fugirem de seus maridos e nem olharem para o lado. Esse hábito também pertence as mulheres do povo Padaung, de Burma, no sudoeste da Ásia, conhecidas como “mulheres girafas”. Segundo a t

Iluminogravuras de Ariano Suassuna

1) Fundamentos da visualidade nas imagens de Ariano Suassuna: - É herdeiro de uma visão romântica: “invenção de uma arte tipicamente nacional”. - O nordeste surge como temática privilegiada no modernismo, especialmente, após a década de 1930; - Ariano acredita que a “civilização do couro” gestou nossa identidade nacional; - Interesse por iluminuras surgiu a partir de A Pedra do Reino 2)Iluminuras Junção de Iluminuras com gravuras. É um tipo de poesia visual: une o texto literário e a imagem. Objeto artístico, remoto e atual, que alia as técnicas da iluminura medieval aos modernos processos de gravação em papel. 3) Processo de produção de iluminuras Para confeccionar o trabalho, Ariano produz, primeiro, uma matriz da ilustração e do texto manuscrito, com nanquim preto sobre papel branco. Em seguida, faz cópias da matriz em uma máquina de gráfica offset; Depois, cada cópia é trabalhada manualmente: ele colore o desenho com tintas guache, óleo e aquarela, por meio do pincel. - Letras – ba

RCNEI - Resumo Artes Visuais

Introdução: As Artes Visuais expressam, comunicam e atribuem sentidos a sensações, sentimentos, pensamentos e realidade por vários meios, dentre eles; linhas formas, pontos, etc. As Artes Visuais estão presentes no dia-a-dia da criança, de formas bem simples como: rabiscar e desenhar no chão, na areia, em muros, sendo feitos com os materiais mais diversos, que podem ser encontrados por acaso. Artes Visuais são linguagens, por isso é uma forma muito importante de expressão e comunicação humanas, isto justifica sua presença na educação infantil. Presença das Artes Visuais na Educação Infantil: Idéias e práticas correntes. A presença das Artes Visuais na Educação Infantil, com o tempo, mostra o desencontro entre teoria e a prática. Em muitas propostas as Artes Visuais são vistas como passatempos sem significado, ou como uma prática meramente decorativa, que pode vir a ser utilizada como reforço de aprendizagem em vários conteúdos. Porém pesquisas desenvolvidas em diferentes campos das ciê