A cor pode ser um importante significante de gênero. Pense na tradicional oposição entre as roupas de bebê azuis e cor de rosa, ou os marrons e cinzas que dominam as roupas dos homens e os tons mais claros que estão associados às roupas femininas. O modo como os brinquedos são embalados, catalogados e divulgados demonstram a enorme prevalência de ‘pink’ em brinquedos para meninas. Um catálogo da Barbie inclui moveis cor de rosa (na ‘Boutique da Noiva’), vestidos cor de rosa, um ‘Motor home’ cor de rosa, além de muito rosa nas letras e no fundo das fotos e do texto. Até mesmo a web page tem um fundo cor de rosa. Assim, em nossa sociedade, o rosa ou ‘pink’ possui uma associação inegável com o feminino. Entretanto, não existe apenas um tom de rosa. Existem todos os tipos de malva, púrpuras róseos, púrpuras azulados, indo do pálido ao quente e profundo, e do claro ao escuro ameaçador – e isto significa que também pode haver mais de um tipo de ‘feminilidade’.
Figura 4 – Fotos tiradas do catálogo Playmobil.
Outras cores, como o azul para meninos, ou cores escuras para homens, trazem consigo valores associados à idéia de ‘masculinidade’. Mas, na cultura popular contemporânea, estes valores não são codificados de modo explícito. Eles parecem simplesmente emergir da nossa experiência com o tipo de coisas que são cor de rosa ou malva na natureza e na cultura, sofrendo um ajuste fino dos sobre-tons simbólicos de ‘escuro’, de ‘claro’ e de ‘intenso’, que podem criar tipos de ‘feminilidades’ e de ‘masculinidades’ ‘escura’ ou ‘clara’, ‘pálida’ ou ‘intensa’.
Uma comparação entre dois catálogos coloridos e lustrosos da Playmobil, um de 1993 [fig. 4] e outro de 1999 [fig. 5], revela algumas diferenças notáveis. No catálogo de 1993, a maioria dos brinquedos ilustrados está relacionada à vida cotidiana (vida na fazenda, vida em casa, atividades de férias, construção de estradas, a polícia, a ambulância, e assim por diante) – e os tons de rosa, malva e púrpura estão quase que completamente ausentes. As únicas exceções são o navio pirata, o circo e a mansão vitoriana do século XIX: há púrpura rosado em algumas das roupas dos piratas e nas flores da ilha deserta; vemos púrpura rosado nos trajes do encantador de serpentes e no tecido decorado sobre o dorso do elefante. E púrpura rosado no casaco do cavalheiro vitoriano, como também no fundo atrás da mansão.
No catálogo de 1999, o mundo real abriu espaço para o mundo da imaginação: a floresta encantada, a expedição do século XIX na selva, o Oeste Selvagem, o palácio de contos de fadas. E tons de rosa, malva e púrpuras de diferentes tons de escuro e intensidade dominam todo o catálogo. Porém, quando olhamos com mais atenção para esses dois mundos, o mais realista e o mundo fantástico, começamos a notar contrastes interessantes – o mundo dos meninos tende a ser mais escuro e mais intenso. Quase que invariavelmente invoca mistério e perigo – as cores escuras e intensas estão no céu por trás de um alce confrontado com uma matilha de lobos, numa tempestade violenta, e na floresta encantada. O palácio de contos de fadas, em contraste, exibe mais tons de rosa e é mais brilhante. A sensação de mistério e aventura desaparece, substituída por uma atmosfera de romance. As cores do palácio lembram o rosa pastel e os azuis d’O Jardim das delícias de Bosch (reproduzido em MURRAY, 1963, p. 224), que evoca uma sensação de tranqüilidade, sossego, feminilidade.
Voltando ao catálogo da Barbie, podemos ver como diferentes tons de rosa são usados - o rosa claro, por exemplo, é ligado à inocência infantil (‘Shelly Playhouse’) e à vida familiar (‘Motor home’). Tons mais escuros estão relacionados à Barbie adolescente, e são também encontrados no banheiro, na ‘Boutique da Noiva’, na cena em que Barbie, vestida em trajes de banho ‘rosa choque’, dirige seu ‘sun wheeler’ para a praia, ‘pronta para divertir-se ao sol’ – em resumo, sempre que surge a possibilidade da sexualidade.
Figura 5 – Fotos tiradas do catálogo do Action Man.
Tons de rosa, malva e púrpura são relativamente raros na natureza, vistos somente em flores ou pedras preciosas, ou em manchas coloridas de aves tropicais. Esta raridade constitui a chave para seu significado potencial. Um fator semântico isolado está sempre presente quando estes tons são empregados – significam ‘o que não é comum, mas sim especial’ (daí seu uso nos trajes cerimoniais especiais de bispos, reis, etc.). Contexto e grau de escuro e intensidade irão enfatizar ainda mais esse significado especial, por exemplo, tendendo na direção do mistério, ou do perigo, ou da sexualidade. Ainda assim, é possível que essas cores atuem de forma intertextual como pano de fundo em qualquer interpretação mais restrita: no mundo dos brinquedos infantis, a sexualidade sempre será misteriosa e perigosa, por exemplo, e o perigo também pode ser sexualmente excitante. E como os mesmos tons de rosa, malva e púrpura não apenas predominam nos catálogos de brinquedo, mas também nos cenários de programas de televisão e na decoração dos interiores dos espaços públicos e privados, a mesma atitude talvez permeie o todo de uma sociedade pós-moderna, que é simultaneamente cheia de riscos e saturada de sexualidade.
Autores: Carmen Rosa Caldas-Coulthard e Theo van Leeuwen
Fonte: http://www3.unisul.br/paginas/ensino/pos/linguagem/0403/01.htm
Figura 4 – Fotos tiradas do catálogo Playmobil.
Outras cores, como o azul para meninos, ou cores escuras para homens, trazem consigo valores associados à idéia de ‘masculinidade’. Mas, na cultura popular contemporânea, estes valores não são codificados de modo explícito. Eles parecem simplesmente emergir da nossa experiência com o tipo de coisas que são cor de rosa ou malva na natureza e na cultura, sofrendo um ajuste fino dos sobre-tons simbólicos de ‘escuro’, de ‘claro’ e de ‘intenso’, que podem criar tipos de ‘feminilidades’ e de ‘masculinidades’ ‘escura’ ou ‘clara’, ‘pálida’ ou ‘intensa’.
Uma comparação entre dois catálogos coloridos e lustrosos da Playmobil, um de 1993 [fig. 4] e outro de 1999 [fig. 5], revela algumas diferenças notáveis. No catálogo de 1993, a maioria dos brinquedos ilustrados está relacionada à vida cotidiana (vida na fazenda, vida em casa, atividades de férias, construção de estradas, a polícia, a ambulância, e assim por diante) – e os tons de rosa, malva e púrpura estão quase que completamente ausentes. As únicas exceções são o navio pirata, o circo e a mansão vitoriana do século XIX: há púrpura rosado em algumas das roupas dos piratas e nas flores da ilha deserta; vemos púrpura rosado nos trajes do encantador de serpentes e no tecido decorado sobre o dorso do elefante. E púrpura rosado no casaco do cavalheiro vitoriano, como também no fundo atrás da mansão.
No catálogo de 1999, o mundo real abriu espaço para o mundo da imaginação: a floresta encantada, a expedição do século XIX na selva, o Oeste Selvagem, o palácio de contos de fadas. E tons de rosa, malva e púrpuras de diferentes tons de escuro e intensidade dominam todo o catálogo. Porém, quando olhamos com mais atenção para esses dois mundos, o mais realista e o mundo fantástico, começamos a notar contrastes interessantes – o mundo dos meninos tende a ser mais escuro e mais intenso. Quase que invariavelmente invoca mistério e perigo – as cores escuras e intensas estão no céu por trás de um alce confrontado com uma matilha de lobos, numa tempestade violenta, e na floresta encantada. O palácio de contos de fadas, em contraste, exibe mais tons de rosa e é mais brilhante. A sensação de mistério e aventura desaparece, substituída por uma atmosfera de romance. As cores do palácio lembram o rosa pastel e os azuis d’O Jardim das delícias de Bosch (reproduzido em MURRAY, 1963, p. 224), que evoca uma sensação de tranqüilidade, sossego, feminilidade.
Voltando ao catálogo da Barbie, podemos ver como diferentes tons de rosa são usados - o rosa claro, por exemplo, é ligado à inocência infantil (‘Shelly Playhouse’) e à vida familiar (‘Motor home’). Tons mais escuros estão relacionados à Barbie adolescente, e são também encontrados no banheiro, na ‘Boutique da Noiva’, na cena em que Barbie, vestida em trajes de banho ‘rosa choque’, dirige seu ‘sun wheeler’ para a praia, ‘pronta para divertir-se ao sol’ – em resumo, sempre que surge a possibilidade da sexualidade.
Figura 5 – Fotos tiradas do catálogo do Action Man.
Tons de rosa, malva e púrpura são relativamente raros na natureza, vistos somente em flores ou pedras preciosas, ou em manchas coloridas de aves tropicais. Esta raridade constitui a chave para seu significado potencial. Um fator semântico isolado está sempre presente quando estes tons são empregados – significam ‘o que não é comum, mas sim especial’ (daí seu uso nos trajes cerimoniais especiais de bispos, reis, etc.). Contexto e grau de escuro e intensidade irão enfatizar ainda mais esse significado especial, por exemplo, tendendo na direção do mistério, ou do perigo, ou da sexualidade. Ainda assim, é possível que essas cores atuem de forma intertextual como pano de fundo em qualquer interpretação mais restrita: no mundo dos brinquedos infantis, a sexualidade sempre será misteriosa e perigosa, por exemplo, e o perigo também pode ser sexualmente excitante. E como os mesmos tons de rosa, malva e púrpura não apenas predominam nos catálogos de brinquedo, mas também nos cenários de programas de televisão e na decoração dos interiores dos espaços públicos e privados, a mesma atitude talvez permeie o todo de uma sociedade pós-moderna, que é simultaneamente cheia de riscos e saturada de sexualidade.
Autores: Carmen Rosa Caldas-Coulthard e Theo van Leeuwen
Fonte: http://www3.unisul.br/paginas/ensino/pos/linguagem/0403/01.htm
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