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Sobreviventes em São Paulo


Foto: Erinaldo Alves
Estive em São Paulo, em Setembro de 2008. Na ocasião, registrei da janela do carro algumas pessoas sobrevivendo do lixo na grande metrópole paulistana. São pessoas, como acontece em várias partes do país, que transportam o lixo em carroças, construídas artesanalmente, e impulsionadas por elas mesmas. Há algum tempo atrás, não faz muito tempo, quem fazia isso eram os burros e cavalos. Hoje, em pleno século vinte e um, são os seres humanos que atuam como os burros e cavalos de antigamente. São pessoas que prestam relevante serviço à sociedade e ao planeta, pois contribuem para o processo de reciclagem do lixo. Mas, a que preço e em que condiçoes?
Não são vistos como profissionais, ou melhor, são profissionais que vivem à margem, sem reconhecimento social, sindical, tampouco do poder público. São pessoas que têm a dignidade de teimar em existir, mesmo quando não existem oportunidades de emprego e de formação profissional.
As fotos que estou expondo aqui, realizadas em diversas partes do país, são uma maneira de homenagear a dignidade de pessoas que preferem sobreviver do lixo a viver desonestamente. Uma maneira de protestar que, em pleno século vinte e um, pessoas vivem do lixo, sem luxo. Um alerta para a nossa indiferença diante da dignidade dessas pessoas e da indignidade das condiçoes a que são submetidas. Um alerta para a maneira como estamos "naturalizando" a sobrevivência do lixo, que, a cada dia , é mais comum, pois podem ser encontradas na frente das nossas casas, prédios, lojas. Enfim, onde houver um balde ou um saco de lixo, logo, logo encontraremos um ser humano tentando sobreviver dele.
Estamos deixando de ter o olhar de indignação de Manuel Bandeira. Li o seu poema, intitulado "o bicho", quando ainda era adolescente. Trata-se de um poema que me afetou profundamente, pois tenta evitar a naturalização do ser humano como um bicho. Talvez minhas fotos sejam uma maneira de tentar materializar em imagens, o que Bandeira expressou com palavras. Transcrevo-o para a nossa meditação:
O bicho
Vi ontem um bicho
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos.
Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.
O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.
O bicho, meu Deus, era um homem.
Fonte:
BANDEIRA, Manoel. Estrela da vida inteira. Rio de Janeiro: José Olympio, 1974.
(Erinaldo Alves)

Comentários

Anônimo disse…
Esse poema do Manuel é perfeito para retratar o tema.

Na sociedade cada ponto de vista é a vista de um ponto. Sempre existirá desigualdade econômica em menor ou maior grau. É a lei dos fortes e a alegria dos homens.

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