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PAI E MÃE – CORAÇÃO E SINA

Desde que deixei João Pessoa para morar em Macapá em junho de 2000, sempre que voltava de férias a cidade, mesmo revendo a família, os amigos, lugares, etc., sentia uma estranha sensação de saudade e distanciamento. Este sentimento iniciou-se logo após a morte dos meus pais em 2001, de minha mãe em abril, vítima de um câncer fulminante, e de meu pai, em agosto, por decorrência de problemas cardíacos.
Porém, nestas micro-férias de janeiro deste ano, oito anos depois, foi a primeira vez que rever Jampa (João Pessoa) e tudo mais, não estava associado a dor e sofrimento daqueles dias. Talvez, por está retornando à cidade levando comigo o meu filho para conhecer a cidade e os outros membros da sua família.

Ao me reencontrar com Erinaldo (ex-professor, tutor, chefe e hoje um querido amigo), e em nossas conversas relembrarmos momentos importantes dos tempos de UFPB, isso me permitiu falar pela primeira vez da minha produção artística relacionada aquela época marcada por essa experiência sofrida e triste.

Lembro que, em abril de 2001, já estava marcada para agosto na pauta da Galeria do Sesc-AP a minha primeira exposição na cidade de Macapá, seria com um amigo (Ramon David) conterrâneo e também professor da Universidade Federal de Macapá. De início a intenção foi desmarcá-la, porém, depois da dor e um período de um vazio enorme, veio um pouco antes da exposição uma fase intensa de produção marcada pela raiva e desilusão.

Então, confirmamos a exposição e o título foi definido como “Não há nada que nos una” uma referencia a dois artistas que mesmo expondo juntos possuíam temáticas tão distintas e contraditórias. Ramon apresentando obras em óleo sobre tela, com formas abstratas líricas e sensuais, inspiradas em corpos femininos e ricos de vários tons de cores. Enquanto isso, o meu trabalho consistia em cinco painéis grandes de técnica mista (desenho e pintura) com formas surreais fortes e inquietantes em preto e branco.


A intenção era fazer com que as pessoas também sentissem um pouco aquilo que me corroia por dentro, que era até então a morte de minha mãe. Lembro que não coloquei título em nenhum trabalho, pois para mim a força de expressão era maior que qualquer palavra. Na maioria dos trabalhos busquei influência na pintura de Francis Bacon, Picasso, René Magritte e na poesia de Augusto dos Anjos.


Versos Íntimos
Augusto dos Anjos
Vês! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão - esta pantera -
Foi tua companheira inseparável!

Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.

Toma um fósforo.Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.

Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!

O trabalho que iniciava a minha apresentação consistia numa releitura de um esboço de um labirinto de mãos que tinha feito ainda nas aulas de desenho da profa. Silvia Ribeiro Coutinho por volta dos anos de 1993-4, quando era aluno do curso de licenciatura de Educação Artística na Universidade Federal da Paraíba.



Só que nesse novo olhar coloquei a tona toda a minha ira e desilusão a morte de minha mãe e introduzi no desenho uma mão fazendo um “gesto obsceno” em primeiro plano, que contrastava com os outros planos onde as mãos remetiam a dúvida, força, sutileza, etc. Na realidade esse gesto poucos sabiam que era para Deus, um momento de raiva e desequilíbrio. Coisas de quem já passou por algo parecido pode entender, (passou...) Já fiz as pazes com o homem.

O lado engraçado da história é que não consegui vender o trabalho, pois apesar dos monitores e da reliese da exposição explicar a intenção do artista, muita gente acredito eu, que pensou que estava dando era um “cotoco” para quem visitava a exposição.

Num segundo trabalho fiz referência ao lado amoroso, no qual num momento de reflexão, fui em busca de um relacionamento que realmente fosse significativo. O desenho apresentava na parte inferior uma figura feminina com um corpo perfeito, mas com um grade que não dava acesso ao mesmo. Já na parte superior a ênfase era no rosto da mulher envolto em um pano, novamente um contraste criado com intenção de provocar dúvida e confusão no apreciador, coisa como que vê corpo, não vê cara, o sexo X o sentimento, e por ai vai... Tirei a idéia de um trabalho de René Magritte, chamado “os amantes”.





No terceiro trabalho, alguns amigos o batizaram de o “índio”, na verdade era uma reflexão introspectiva, um auto-retrato do “meu eu interior”, como me via no meio daquela tormenta de sentimentos e emoções e que, paralelamente, tinha que no dia-a-dia levar uma vida aparentemente normal. Algo que se assemelhasse a teoria dos arquétipos de Jung, no qual um deles a “persona” representava a máscara do convívio social, no qual a usamos de acordo com o ambiente e o interesse escolhido.



O quarto trabalho, que fez parte desses três últimos que remetiam ao “eu interior”, e foi que mais gostei, o mais bem resolvido na distribuição dos elementos, no claro escuro, na intensidade dramática, etc., a idéia da composição surgiu do quadro Painting de Francis Bacon.


O foco principal continua sendo a dor e sofrimento, contudo tentei introduzir indícios da perda da minha mãe, através de um círculo (símbolo universal do movimento e da vida) no centro do quadro, alguns viam uma barriga. Dentro deste círculo fiz um bebê em estado fetal, que marca o início da vida; ao lado do bebê desenhei também a face de uma criatura que representava o contraste que seria a dor, a morte e o fim. Essa criatura na verdade é uma citação do “cavalo em agonia” detalhe de Guernica de Picasso.



Esse trabalho foi vendido no dia da montagem da exposição, e o interessante foi que ao negociá-lo pela primeira vez que tive a sensação de perdido uma parte de mim, alguns colegas já tinham comentado algo parecido, mas não tinha acontecido até então.

O último trabalho da série e também a ser realizado, foi o que acredito que poderia ter feito algumas alterações (analisando hoje), acho que não ficou bem clara a minha intenção no trabalho.


Por fim, termino este ensaio ressaltando que apesar de carregarem toda uma gama de sentimentos tristes e sofridos, percebo a importância da realização destes trabalhos enquanto expressão de uma história que naquele momento não podia ser diferente. E hoje entendo que se para o filho as cicatrizes serão eternas, para o artista novos sentimentos e emoções nortearão outros olhares e fases.

José de Vasconcelos Silva – Professor de Artes, Artista e Fotógrafo.

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