Salões II: o desenho
(Publicado na coluna Artes Plásticas, Carderno Muito do Diário de Natal, em 4.12.08)
No XII Salão de Artes Visuais da Cidade do Natal, entre os 16 artistas selecionados, 12 apresentaram trabalhos baseados na fotografia. A fotografia ela mesma, como na premiada “Sombras de Mondrian”, de Jean Sartief; a fotografia criada com scanner, como no trabalho de Leandro Garcia; a fotografia interpretada pictoricamente em um dos trabalhos de Vicente Vitoriano e por aí vai, numa incidência que motivou o texto publicado aqui na última semana. Em termos quantitativos, a segunda categoria naquele Salão é a do desenho na qual se integra o trabalho “Interpono”, de Ilkes Peixoto, pelo visto paradoxalmente premiado em primeiro lugar. Há desenhos, puro grafismo, ainda de Luiz Élson Dantas e em outro trabalho de Vicente Vitoriano. Somente dois trabalhos fugiram destas categorias: um, os sabonetes perigosos de Alexandre Gurgel e o outro, as quase pinturas com ferrugem e bordados (ou costuras), de Ricardo Cerqueira.
A princípio, há um grande abismo entre o trabalho de Ilkes e as fotografias também premiadas (de Jean Sartief e de Tiago César), o que pode levar a questionamentos quanto à posição da comissão de premiação. Ilkes, a meu ver, embora tenha contaminado seu trabalho com colagens despropositadas – para ele são “inserções de estéticas individuais” em contraponto com uma “estética global do desenho”, é um dos grandes talentos gráficos surgidos no século XXI. É verdade que, conceitualmente, o artista carece de aprofundamento, mas seu trabalho atinge uma alta qualidade, mesmo que seja de caráter intuitivo e manual. Esta minha opinião está longe de ser um consenso. Entre meus alunos, por exemplo, há os que consideram o artista e seu trabalho como equívocos definitivos, notadamente em suas experiências com ready made, anacrônicas e mal explicadas. Outros chegam a considerar “mal feitos” os seus desenhos, o que os leva a ver o artista e os críticos do Salão como consumados “caras-de-pau”. (Veja imagem de uma de suas obras do Salão, nesta edição). Nem tanto, nem tão pouco. Há qualidade, sim, no trabalho de Ilkes, e sua premiação significa uma valoração (ou uma colher de chá?) para o artesanal que é advogado por Vicente Vitoriano, em seus “Mr. Duchamp hand made” e abertamente praticado por Luiz Élson, em suas anotações de agenda.
Os comentários acima implicam uma noção “gráfica” do desenho, em detrimento de uma compreensão mais ampla do que ele significa para as artes visuais, notadamente na sua aproximação com a noção de projeto ou design. Há “muito” desenho nas fotografias de Sartief. Aliás, conceitualmente, “Sombras de Mondrian” remetem às estruturas ortogonais do neoplasticismo e o rigor arquitetônico captado pela câmera de Zé Frota tem muito a ver com a linha e suas possibilidades compositivas. As ações mistas de pintura e infografia de Mariana Zulianelli são desenho, da mesma forma que as fotomontagens de Leandro Garcia. Este dois artistas empreendem um processo nitidamente projetual que, em última instância, coincide com design.
Vicente Vitoriano
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