Melancolia sublimada
Sobre a exposição Melancólica travessia, de Erasmo Andrade, em cartaz na Galeria Conviv’art.
Há alguns anos, junto com alunos, defini a melancolia como um conceito, uma categoria de certa produção pictórica regionalista nordestina, associada à temática da seca, dos retirantes, galhos retorcidos, mandacarus e chão rachado. Na verdade, era uma categorização pejorativa em sua formulação. Em Erasmo, a melancolia não se prende (tanto) à materialidade dos fenômenos climáticos ou às suas conseqüências imediatamente antropológicas ou geográficas para findar em discurso político. Sua extração tem fonte nos meandros da fé cristã e na dolorosa exemplaridade dos mártires. Numa palavra, a melancolia é um estado gêmeo da privação e da clausura, do afastamento (erótico) do outro e da sublimação mística. Talvez seja esta a via, não afirmo isto, pela qual o artista envereda pela literatura de João Guimarães Rosa e da qual traz referências cromáticas, além daquelas que remetem às questões identitárias e ao qüiproquó da relação entre Riobaldo e Diadorin.
Tal arcabouço conceitual tem visualização em atmosferas leitosas verdes ou azuis, etéreas, não muito distantes das plataformas surreais neocubistas de Chagall, mas muito próximas da proposta pictórica de Gauguin que, aliás, originou todo o expressionismo modernista, seja por meio do fauvismo francês ou do Blaue Reiter alemão. Esta imersão oceânica (para usar um termo caro à psicanálise) constitui uma estratégia de pesquisa de lugares abissais inconscientes, oníricos ou mesmo criados, onde a impossível maternidade (pela condição de gênero do artista) inverte-se na paisagem do Hades, a qual se atravessa aos saltos entre sóis amargos e cantos tanatórios entoados por tristíssimos penitentes. Neste mundo bucólico, que se confunde com o sertão – ora seco e morto, ora verde e vivo, habitam jovens parnasianos em sua nudez forçadamente pudica, porém aberta, pública. Em contraponto, ali freqüentam moças “enjaneladas”, oriundas de casas decoradas com flores colhidas, portanto mortas, recolhidas às sombras de salas e alcovas.
Estes jogos dicotômicos induzem que, não obstante o teor de tristeza (melancolia) e as cores geralmente frias (nubladas), a obra de Erasmo é incendiada por um lirismo candente que emociona e enseja reflexões, mesmo naqueles florais, não à toa chamados de naturezas mortas.
Ponto e linha
Num empreendimento da FAPERN, foi aberta na última terça-feira na Biblioteca Pública Câmara Cascudo a exposição Leonardo da Vinci: maravilhas mecânicas, substituindo o II Salão Abraham Palatnik de Artes Visuais. Embora não enfoque diretamente o trabalho artístico de da Vinci, a exposição deve ser vista pelos que admiram o “velho” renascentista.
Na próxima terça-feira, dia 30, será aberto o Panorama das Artes Visuais – RN / Prêmio Thomé Filgueira, na Galeria Newton Navarro, da Fundação José Augusto. Na ocasião serão entregues prêmios a trinta artistas selecionados e a um curador.
Enquanto isto, na Capitania das Artes, permanece até fevereiro a mostra do XII Salão de Artes Visuais da Cidade do Natal.
Aproveite até o próximo dia 30 para ver a exposição Imaginário de Xico Santeiro: reflexos do cotidiano, no Museu de Cultura Popular Djalma Maranhão.
O próximo presidente da Fundação Capitania das Artes será o artista visual e empresário César Revoredo. Sucesso!
Desejo a todos boas festas de fim de ano e um 2009 pleno de sucessos. Deverei voltar a esta coluna em fevereiro ou, antes, em especiais ocasiões.
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