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A IMAGEM NO ENSINO DE ARTE CONTEMPORÂNEO

Com a abertura política iniciada no final dos anos de 1970, o Brasil finalmente sai do período ditatorial, depois dessa fase de estagnação provocada pela censura e pelo exílio de vários intelectuais e artistas. Surge nos anos de 1980 a necessidade de uma reconstituição cultural.

"Através da educação é possível construir filtros críticos e sem a contribuição da arte não há como ultrapassar leituras culturais medíocres e ideologicamente perniciosas para a população. As linguagens artísticas são fontes ricas de apreensão e compreensão da realidade, especialmente no momento atual. A arte representa, na educação, um fator de identidade e de simbolização do desejo, bem como de conhecimento e leitura dos códigos e símbolos com que o imaginário social se revela." (Meira, 1995, p.21).

Desta forma, começam então, a ser difundidas pesquisas e teorias que abandonam os ideais modernistas que defendiam a livre expressão, e se busca um ideal mais contemporâneo em arte-educação, um ideal de ensino fundamentado, que possibilite o resgate do pensar sobre a práxis.

O resgate dos conteúdos foi uma forma de superar o ensino de arte baseado em princípios pedagógicos que consideravam a arte apenas como expressão, que reduzia as aulas de Educação Artística a despertar as potencialidades dos alunos para expressão pessoal e individual.

Segundo Rossi (1995) com o avanço destas discussões sobre o ensino contemporâneo de arte, a imagem que ficou afastada da escola, por se vista como perniciosa para a livre-expressão infantil, adquiriu tal importância, que hoje é difícil pensar em qualquer prática educativa em arte que a imagem não esteja presente.

Ressaltamos, que quando nos referimos ao termo imagem, esta pode ser na sala de aula, museus, galerias, bibliotecas, ateliers de artistas, nas ruas, praças, etc., mas de preferência desejaríamos nos reportar a obra de arte original, porque propicia ao aluno uma apreensão estética mais completa.

Barbosa (1991), em seu livro a “Imagem no Ensino da Arte”, nos afirma que o mundo cotidiano está repleto de imagens. E que a maioria de nossa aprendizagem informal se faz através das imagens e que metade desta aprendizagem é feito de forma inconscientemente.

A imagem está tão presente no nosso cotidiano, que Huyghe (1986) prevê a substituição da civilização do livro pela civilização da imagem, pois o homem contemporâneo não se alimenta mais de texto, como em épocas passadas, e, sim, predominantemente, de imagens. Além do mais, convém frisar, que o homem, como um ser simbólico, é o único produtor intencional de imagens. E que desde a época das cavernas, ele "vem manipulando cores, formas, gestos, espaços, sons, silêncios, superfícies, movimentos, luzes, etc., com a intenção de dar sentido a algo, de comunicar-se com os outros" (Martins et al., 1998, p.14).

Debray (1982, p.13), no seu livro Vida e morte da imagem: uma historia do olhar no ocidente, descreve, através de um conto chinês antigo, como a experiência direta com esta fonte de informação, ou seja, o objeto artístico, é poderoso:

“Certo dia um imperador chinês pediu ao principal pintor da corte para apagar a cascata que tinha pintado afresco na parede do palácio porque o ruído da água impedia-o de dormir”.

Com respeito, ainda, sobre esse poder da imagem, Cumming (1996) afirma que existe uma máxima na arte que diz que os artistas fazem todo o trabalho, mas a obra expressa por si mesmo. Possibilitando, assim, explicar porque algumas obras se destacam por terem a capacidade de falar algo da sua própria época, oferecendo inspiração e um significado através do tempo. Quem não conhece a Mona Lisa de Leonardo da Vinci, que há mais de quinhentos anos vem inspirando poemas, pinturas, canções, reproduções, etc.


Certamente, talvez poucas pessoas desconhecem a Guernica de Picasso, pois esta pintura atingiu o ápice de grande Arte, não apenas pelo aspecto cubista ou monumentalidade das dimensões, mas, sim, por seu caráter expressionista e instrumentalista. Guernica serve a uma causa universal, a luta contra a desumanidade do homem, contra os horrores da guerra, contra a miséria, a fome e a morte.

Baseado em todos esses pressupostos teóricos:

“O estudante de hoje é produto de um mundo dominado pela comunicação, chegam a sal de aula trazendo imagens vivas adquiridas em conseqüências das numerosas solicitações a que foi submetido pelos vários meios de comunicação. O Arte-Educador tem que compreender a natureza dessa alteração e adaptar-se o ambiente e as técnicas de ensino, para que se efetive a aprendizagem” (François, 1992, p.72).

Para que a disciplina de Educação Artística possa cumprir seu objetivo, no que se refere à alfabetização visual, é importante ressaltar o valor da análise das obras de artes como forma de contribuição para melhor compreender as imagens presentes no cotidiano dos nossos alunos. Porque, convivendo com as leituras das obras de artes, estaremos preparando os nossos alunos para distinguir o que seja arte ou não, desenvolvendo um posicionamento crítico diante das imagens que nos rodeiam, seja, na camiseta que usamos, no disco ou CD que compramos, na revista que lemos, etc.

"Para nos apropriarmos de uma linguagem, entendermos, interpretarmos e darmos sentido a ela, é preciso que aprendamos a operar com seus códigos. Do mesmo modo que existe na escola um espaço destinado à alfabetização na linguagem das palavras e dos textos orais e escritos, é preciso haver cuidado com a alfabetização nas linguagens da arte.




É por meio delas que podemos compreender o mundo das culturas e o nosso eu particular. Assim, mais fronteiras poderão ser ultrapassadas pela compreensão e interpretação das formas sensíveis e subjetivas que compõem a humanidade e sua multiculturalidade(...)" (Martins, 1998, idem, p. 14).

Porém, sabemos que é difícil, na escola, o contato do nosso aluno com obras de arte originais. E que, se em algum momento, houve esse contato fora desse universo, passou como um fato despercebido. O que encontramos muito em sala de aula é que "eu não gosto de arte" ou "até eu faço isso".


Essas atitudes ou desculpas, como já citamos anteriormente, estão ligadas ao tempo em que a educação artística entendia que as imagens prejudicariam a espontaneidade e livre manifestação infantil e que foi responsável para que permanecemos analfabetos no que se refere às imagens que compõem o universo simbólico da humanidade. Esquecendo que muito podemos aprender sobre um pensamento ou sentimento de um povo, através única e exclusivamente de suas pinturas, de suas esculturas, de sua arquitetura, etc. Nessa postura expressionista, aprendia-se arte sem ver arte, seria como aprender a ler sem ter acesso aos livros.

Um outro fato no Brasil, na década de 1990, que realmente contribuiu para que as imagens se incorporassem de maneira mais ampla nas propostas contemporâneas para o ensino de arte, foi a divulgação nos meios acadêmicos de diversos estudos e pesquisas que comprovam a importância deste recurso pedagógico para o ensino da arte.

Em sintonia com este momento, em termos normativos foi aprovada a Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB – (Lei Federal nº 9.394), em 20 de dezembro de 1996, que estabeleceu no seu artigo 26, parágrafo 2 que “o ensino de Arte constituirá componente curricular obrigatório, nos diversos níveis de educação básica (...)”.

E logo depois, em 1997, os Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN – Artes, lançados pelo Ministério da Educação e Cultura. O PCN – Artes surgiu com o propósito de planificar as ações dos professores de artes e destacar que a disciplina de arte não é mais para ser vista “como um mero lazer, uma distração entre as atividades ‘sérias’ das demais disciplinas” (Duarte Júnior, 1981, p.131).

Referências

BARBOSA, Ana Mae. A imagem no ensino da arte. São Paulo: Perspectiva/Iochpe, 1991.
CUMMING, Robert. Para Entender a Arte. São Paulo: Ed. Ática, 1996.
DEBRAY, Régis. Vida e Morte da Imagem: Uma História do Olhar do Ocidente. Petrópolis, RJ, 1982.
DUARTE JUNIOR, João Francisco. Fundamentos estéticos da educação. São Paulo: Cortez, 1981.
FRANCOIS, Marlene. Arte uma necessidade. In: Espaços da Escola. Ijuí – RS: Livraria Unijuí, ano 1,3 (426), janeiro-março, 1992.
HUYGHE, René. O poder da imagem. São Paulo: Martins Fontes, 1986.
MARTINS, Mirian Celeste Ferreira Dias, PICOSQUE, Gisa, GUERRA, M. Terezinha Telles. Didática do ensino de arte: a língua do mundo: poetizar, fruir e conhecer arte. São Paulo: FTD, 1998.
MARTINS, Mirian Celeste Ferreira Dias, PICOSQUE, Gisa, GUERRA, M. Terezinha Telles. Didática do ensino de arte: a língua do mundo: poetizar, fruir e conhecer arte. São Paulo: FTD, 1998.
MEIRA, Marly Ribeiro. Construindo trajetórias. Projeto Melhoria da Qualidade de Ensino/Educação Artística. Governo do Estado do Rio Grande do Sul/Secretaria da Educação, 1995.
ROSSI, Maria Helena Wagner. A Compreensão das Imagens da Arte. In: Arte & Educação em Revista. Porto Alegre: Rede Arte na Escola. Ano 1, n 1, outubro de 1995.



(José de Vasconcelos Silva)

Comentários

Anônimo disse…
Ótimo artigo. Concordo plenamente que é preciso educar o olhar das pessoas para a linguagem visual.
Anônimo disse…
O que é mais interessante, e que a filosofia também cita, é o exemplo do nosso crescimento. Somos produtos do meio, e vamos sendo moldado por tudo que nos rodeia ao longo do tempo. Uma criança a tudo vê, e a medida que vai aprendendo as leis da sociedade naturalmente perde esse olhar apurado, ao ponto de muitos se fecharem em relação ao seu eu interior. Buscam no cotidiano razões para continuar vivendo, e bravos são os que através da arte tentam conhecer a si mesmo conversando com o seu próximo. Como disse Augusto: "Somente a Arte, esculpindo a humana mágoa,
Abranda as rochas rígidas, torna água
Todo fogo telúrico profundo.
E reduz, sem que, entanto a desintegre,
À condição de uma planície alegre,
A aspereza orográfica do mundo!"
Anônimo disse…
O que é mais interessante, e que a filosofia também cita, é o exemplo do nosso crescimento. Somos produtos do meio, e vamos sendo moldado por tudo que nos rodeia ao longo do tempo. Uma criança a tudo vê, e a medida que vai aprendendo as leis da sociedade naturalmente perde esse olhar apurado, ao ponto de muitos se fecharem em relação ao seu eu interior. Buscam no cotidiano razões para continuar vivendo, e bravos são os que através da arte tentam conhecer a si mesmo conversando com o seu próximo. Como disse Augusto: "Somente a Arte, esculpindo a humana mágoa,
Abranda as rochas rígidas, torna água
Todo fogo telúrico profundo.
E reduz, sem que, entanto a desintegre,
À condição de uma planície alegre,
A aspereza orográfica do mundo!"
Anônimo disse…
Carlos Felippe,

Me perdoe a demora em retornar seu comentário, pois me encotrava de férias e o acesso a net tornou-se difícil, contudo, obrigado pelo seu comentário, concordo com você que a imagem é um excelente instrumento de aprendizado. Quando falo aprendizado, não só estético e artístico, mais também ético, moral, político, etc. Enquanto educador, acredito que a sociedade contemporânea e sua perda de valores dentre quais podemos destacar a família, a escola e outros. Tornou-nos um pouco insensível, se você notar perdemos a capacidade e observar a coisas. A poesia e a sensibilidade foram substituídas pela violência e as vídeos cacetadas.

Dessa forma, na atual conjuntura contemporânea, complexa e contraditória, há espaço também para recuperarmos e até ensinarmos através das artes os caminhos para compreensão desse nosso mundo rico de imagens simbólicas e introspectivas.

Vasconcelos
Adriano Medeiros Costa disse…
Ótimo texto. Obrigado por compartilhar.

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