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AÇÃO / REAÇÃO



No semestre passado, tivemos, aqui no Curso de Licenciatura em Artes Visuais da UFRN, uma experiência semelhante a esta pela qual o pessoal da Paraíba está passando. Um grupo de artistas/críticos (cuja leitura eu recomendo em www.fermentacoesvisuais.blogspot.com) fez críticas
ao nosso Curso, semelhantes às de Dyogenes Chaves. A ênfase dada por este grupo incidia sobre a "desatualização" ou ainda a "nulidade" artística tanto do Curso, quanto do Departamento de Artes e até mesmo, textualmente, da UFRN. A nossa reação, de certa forma dirigida por mim, foi a de incremetarmos nossas ações e ampliar a sua divulgação. Entre tais ações, destaco a convocação dos demais professores a "repaginarem" suas práticas, particularmente no que diz respeito à inclusão de atividades de produção artística em suas disciplinas, o que eu já fazia nas minhas (História das artes e Fundamentos da Linguagem Visual). Por outro lado, programamos uma série de atividades que foram desenvolvidas dentro do Campus Central da UFRN no dia 8 de maio, dia do artista plástico. Continuo realizando atividades práticas em minhas disciplinas, agora acrescidas pela Crítica de Arte, e, ainda em maio passado, atendendo ao convite da editoria de uma revista cultural local, escrevi o texto que transcrevo a seguir.

GÊNIOS INGÊNUOS

Eu acredito em democracia, sim. Então, também acredito que no 8 de maio, dia do artista plástico, comemora-se o trabalho tanto daqueles apenas aficionados, quanto dos que têm a arte como labuta diária ou que dela dependem para seu sustento. No meio destes, há ainda aqueles que fraudam o ofício ou os que se servem da arte como uma terapia. O que pode haver de político neste apontamento não o é tanto quanto é condizente com a própria noção de artista e de arte que se fez impregnar nas discussões e práticas artísticas desde meados do século passado. Ou seja, arrolar como artistas quaisquer pessoas que assim se queiram tem a ver com o que se arrazoa como conquistas do modernismo e do pós-modernismo artísticos. Tem a ver com uma liberdade em que se abre uma total tolerância, no sentido em que se deseja para o outro tudo o que se deseja para si.

Para alguns, em certo sentido, o modernismo artístico consistiu numa luta (talvez daí a palavra “vanguarda”) pela conquista de liberdades. Na pintura, por exemplo, libertar-se das normas acadêmicas, do legado mimético clássico e renascentista e da premência da ilusão de profundidade nas imagens pintadas. Desde Manet até Morris Lewis, a pintura deixou de ser uma janela por onde se perscruta uma imagem para ser a própria tela tingida. O artista visual do fim do século XX já podia até nem fazer mais nada, só pensar a obra e esta nunca chegar a ter substância física concreta. A liberdade tornou-se tanta que simples ações ou happenings ou performances consumaram uma indefinição nos limites entre categorias artísticas e, também, entre o que é e o que não é arte. Este nível sem medida de liberdade determinou a democracia a que me refiro e na qual qualquer um pode ser artista e qualquer coisa pode ser arte. Isto significa que opções produtivas diferenciadas, atualizadas ou repetidoras de modos do passado, passaram a constituir uma convivência multidisciplinar entre tipos de artistas e de seus produtos e que podem, de fato, refletir tantos princípios quantos sejam os artistas produtores. Por seu lado, o público de arte também diversificou a gama de atitudes diante das obras, podendo tanto ser partícipe de sua composição/criação (interação) como permanecer um mero observador (contemplação). Em ambos os casos, o público pode decidir sobre a importância da obra para si e para a sua vida, decidir sobre o status mesmo de obra de arte daquilo com que interage ou que observa. Não está em discussão aqui a qualidade de qualquer artista ou de qualquer arte; este é um problema que continua a azucrinar ou a desmanchar a existência da crítica, pois que a crítica em seu estado amorfo contemporâneo assim está porque “acostumou-se” a ser presa (sem liberdade) aos critérios e às categorizações. Como resposta à inexistência de princípios gerais que a norteiem, a crítica vale-se da ou transmuta-se para a emulação operada pela curadoria na brecha aberta para a expressão plena das individualidades.

Acabada a batalha dos modernistas, todos os soldados, íntegros ou aos pedaços, voltam para casa. Conquistadas as liberdades desejadas, não há mais, pois, as vanguardas. No entanto – e é por esta causa que se associam certas práticas e idéias hoje em voga ao Romantismo – muitos artistas desejam ardentemente ser pilotos de vanguardas, batedores de terrenos esmiuçados. E, românticos ou não, tais artistas (e críticos de arte) são, a princípio, ingênuos. Não naïfs Daí o neo-expressionismo, a transvanguarda e o retorno da pintura-pintura nos anos oitenta e, bem antes, no meio daquelas últimas vanguardas, o neo-dadá. expressionistas, mas intelectuais munidos de discursos capazes de encantar platéias desavisadas, até quando estas lábias são clichês pseudocientíficos e que se derrotam ao menor questionamento. No conjunto de suas falas está impregnado um nojo profundo de tudo o que eles crêem não ser de hoje ou de amanhã, de tudo o que não é avançado, enfim, de tudo o que não esteja sob o misterioso epíteto de “arte contemporânea”. É esta característica que define sua ingenuidade. Ora, a “superstição do novo”, na expressão de Compagnon, foi um dos principais lemas dos modernistas e já estava plantado nos textos críticos de Baudelaire, algo remoto, romântico, que remonta ao século dezenove e em que subjaz a deplorada crença na evolução histórica ditada por um progresso infinito. Depois do minimalismo e da arte conceitual, quer dizer, depois das últimas vanguardas, os chamados pós-modernos adotaram um lema diferente: não o novo, mas “de novo”.

A par do anseio de serem avançados, certos artistas contemporâneos são muito ignorantes acerca da história da arte, o que implica o agravamento de sua ingenuidade e os leva ao paradoxo de produzirem alguma coisa “de novo” na ilusão de estarem produzindo o novo. Do alto da empáfia que esta ilusão produz, eles excecram os artistas que sincera ou honestamente pautam suas práticas e pesquisas em meios ditos tradicionais como a pintura sobre tela, o desenho sobre papel e a escultura baseada no tirare, como se buscassem uma pureza que, em absoluto, não é mais próprio da arte contemporânea. Uma busca de pureza ou de “caracterização” que, ao tempo em que repete ou mantém uma agenda tipicamente modernista (arte pura, pintura pura), se aproxima perigosamente de uma postura fascista (pureza de raça). O desconhecimento histórico e a falta de informação impedem que saibam da existência, hoje, de grupos organizados que se preocupam em praticar uma pintura de inspiração clássica e que buscam a aquisição de habilidades técnico-manuais por meio de métodos nitidamente “acadêmicos”. E a ignorância histórica anula, ainda, a possibilidade de constatação de que, fora as experiências com alta tecnologia, incluídas as biotécnicas, as de processamento de dados e de informática, tudo o mais já é tradicional, do quase centenário readymade às quarentonas performances e “intervenções” na paisagem, inclusive urbana.

A propósito de informação histórica, quem sabe que o 8 de maio é uma referência à data de nascimento do artista acadêmico brasileiro José Ferraz de Almeida Júnior, nascido em 1850?

A demonização dos artistas que não comungam com o credo “contemporâneo” cria uma anacrônica, desagradável e também paradoxal segregação, já que, em alguns casos, os artistas “avançados” têm procurado reeditar modelos medievais de associacionismo, denominando-os de “coletivos”. Evidentemente, a organização de coletivos é uma forma muito positiva de encetar ações artísticas e se trata de um fenômeno que também se espalha entre músicos, designers, etc..

Ao cabo, promover esta secessão significa a negação da liberdade e da permissividade alojadas no “tudo vale” da arte contemporânea, “impecável liberdade estética”, no dizer de Danto, que des/organiza uma situação de entropia onde é preciso atentar para que as circunstâncias requerem uma compreensão ampliada das suas muitas faces. É necessário ver que atitudes ególatras como as que se espelham em modernistas como Dali, Warhol ou Beuys chocam-se com as tendências coletivistas, mesmo quando os novos grupos e os efeitos de suas ações não se percebam além de seus próprios umbigos. Ao mesmo tempo, é indispensável apreender e assumir que a multiplicidade de pontos de vista ou princípios teóricos e metodológicos em arte (e em ciência) pode ser o fulcro a partir do qual se delineiem as tendências de hoje e para o amanhã.

Vicente Vitoriano

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