Arte e morte – A relação da arte com a morte é tão longa data quanto sua relação com a vida. Inclusive, quem não se lembra que Leonardo da Vinci preenchia suas noites dessecando cadáveres? O artista, em meio a odores do corpo em decomposição, realizava estudos de anatomia sob a forma de magníficos desenhos. Aqui, temos também dois artistas – referenciados no texto – Géricault acima, com “Cabeças Cortadas” e Barrio com “Livro de carne”, que em outros trabalhos lidam com o tema de maneira incisiva.
Ao começar a adentrar o universo poético do trabalho, vale a pena localizar-se no contexto das Bienais Internacionais de São Paulo – ao menos, nas últimas duas edições, em 1998 e 2002 – que como se sabe, partem sempre de fios condutores pré-determinados para desenvolver relações entre os artistas participantes.
Em 1998, na 24ª edição, comemorando-se 70 anos do Manifesto Antropófago de Oswald de Andrade, propõe-se discutir uma visão modernista extremamente brasileira: a antropofagia. Há uma intenção de desconstruir uma visão eurocêntrica da arte, pautar o olhar estrangeiro e trabalhar com a visão simbólica do canibalismo, como a apropriação transcultural. O canibalismo suscita ainda uma visão atroz, visceral, certamente induzida pelos famosos relatos de Hans Staden, sobre as práticas antropofágicas dos índios brasileiros.
No diálogo destas questões, interessa-nos a questão da carne enquanto matéria, como nas pinturas de Théodore Géricault, em especial Cabeças cortadas (Têtes coupés), 1818-19, presente no núcleo histórico e como no trabalho do brasileiro Artur Barrio, no trabalho Livro de carne, 1977-98, exposto no segmento “arte contemporânea brasileira”, que consistia em um pedaço de carne sob a forma de páginas de um livro aberto. Barrio é um artista conhecido por seu interesse com as sobras, sobretudo orgânicas, como nas suas “trouxas” ensangüentadas, que eram espalhadas pelas cidades do Rio de Janeiro e Belo Horizonte, de forte cunho político e social, denunciando nos anos 70, a hedionda vida proporcionada pela ditadura militar.
Em 1998, na 24ª edição, comemorando-se 70 anos do Manifesto Antropófago de Oswald de Andrade, propõe-se discutir uma visão modernista extremamente brasileira: a antropofagia. Há uma intenção de desconstruir uma visão eurocêntrica da arte, pautar o olhar estrangeiro e trabalhar com a visão simbólica do canibalismo, como a apropriação transcultural. O canibalismo suscita ainda uma visão atroz, visceral, certamente induzida pelos famosos relatos de Hans Staden, sobre as práticas antropofágicas dos índios brasileiros.
No diálogo destas questões, interessa-nos a questão da carne enquanto matéria, como nas pinturas de Théodore Géricault, em especial Cabeças cortadas (Têtes coupés), 1818-19, presente no núcleo histórico e como no trabalho do brasileiro Artur Barrio, no trabalho Livro de carne, 1977-98, exposto no segmento “arte contemporânea brasileira”, que consistia em um pedaço de carne sob a forma de páginas de um livro aberto. Barrio é um artista conhecido por seu interesse com as sobras, sobretudo orgânicas, como nas suas “trouxas” ensangüentadas, que eram espalhadas pelas cidades do Rio de Janeiro e Belo Horizonte, de forte cunho político e social, denunciando nos anos 70, a hedionda vida proporcionada pela ditadura militar.
Já na 25ª Bienal de São Paulo, em 2002, na qual está inserido o trabalho Cronofagia, temos a questão da metrópole e suas iconografias. Segundo o curador Alfons Hug, as metrópoles definem substancialmente o perfil da criação artística, diante da sua velocidade e complexidade de seus processos. Indo mais a fundo, a curadora Christine Mello, do núcleo de Net arte Brasil determinará a relação de fluxos entre cidade e rede, os movimentos imprevisíveis, os problemas do tempo e percurso:"Ao problema do espaço na metrópole opõe-se na rede o problema do tempo: como percorrer todas as informações que interessam se o tempo necessário é maior do que o que podemos dispor? Como indica Paul Virilio, trata-se de um tempo desvinculado do tempo cronológico, caracterizado por ações simultâneas, o tempo das mídias".(nota)
Porém, se partíssemos para considerações formais em torno da matéria carne, localizaríamos muitos pontos de confluências do trabalho Cronofagia com as questões da antropofagia. A relação material/imaterial que o trabalho se propõe induz a uma relação antropofágica no sentido mais direto – do meio Internet – num processo de tradução não só imagética como do próprio sentido de degradação. Induz a um meio que se alimenta da carne – mesmo que podre – num processo coletivo de deglutição, assim como nos Tupinambás.
Porém, se partíssemos para considerações formais em torno da matéria carne, localizaríamos muitos pontos de confluências do trabalho Cronofagia com as questões da antropofagia. A relação material/imaterial que o trabalho se propõe induz a uma relação antropofágica no sentido mais direto – do meio Internet – num processo de tradução não só imagética como do próprio sentido de degradação. Induz a um meio que se alimenta da carne – mesmo que podre – num processo coletivo de deglutição, assim como nos Tupinambás.
A passagem do viajante alemão Hans Staden por uma tribo tubinambá em 1554 – quando foi capturado e quase morto e devorado – é um dos relatos mais conhecidos sobre as práticas de canibalismo entre índios brasileiros. Os relatos foram uma poderosa inspiração para os antropofágicos modernistas.
Num texto da 23ª Bienal de São Paulo, o crítico Agnaldo Farias lembra também das experimentações de Barrio com cerca de 500 sacos plásticos contendo sangue, pedaços de unha, saliva (escarro), fezes, urina, ossos, igualmente dispersos no Rio de Janeiro. Assim como as trouxas, os sacos eram colocados à curiosidade e à manipulação dos transeuntes anônimos que eventualmente passavam a ter uma relação de co-autoria no trabalho. O texto pode ser visualizado no endereço: http://www.uol.com.br/23bienal/universa/pubrab.htm .
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www.arturbarrio-trabalhos.blogspot.com
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