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Para onde vai o nosso carnaval? - Lau Siqueira



Fonte da imagem: http://joaopessoa.pb.gov.br/noticias/imagens/carnavaltradiaosite_0002.jpg

De que matéria é feito o carnaval nordestino? Para a grande e estreita mídia colonialista do sul/sudeste, a matéria do carnaval nordestino se divide entre o frevo das Casas Pernambucanas e o sambaxé das Casas Bahia. Ponto final. O Armazém Paraíba fica de fora. Mas, deverá também ficar de fora das nossas reflexões?

Desculpem, mas não poderia começar a refletir sobre um tema de tamanha relevância sem uma boa dose de ironia para com a esperta e ausente iniciativa privada. Um produto cultural rentável, como o carnaval nordestino, que somente este ano movimentou 283 milhões em Recife, precisa ser pensado em João Pessoa com suficiente objetividade para se oferecer como alternativa aos grandes pólos da folia nordestina e, conseqüentemente, beber das águas abundantes da sua lucratividade.

Não é possível mais observarmos as movimentações da máquina pública sem que se tenha lucidamente apontado o caminho das suas ações. Os carnavais nordestinos de sucesso se tornaram multiculturais (e até multinacionais), com uma preponderância absoluta, no caso de Pernambuco, da cultura popular. O debate sobre o multiculturalismo até parece uma invenção de Recife. No entanto, há tempos faz parte das reflexões de um dos mais conhecidos filósofos contemporâneos, Jürgen Habermas. Ele afirma que "a cidadania é definida pelos direitos civis. Mas temos que considerar também que os cidadãos são pessoas que desenvolveram sua identidade pessoal no contexto de certas tradições, em ambientes culturais específicos, e que precisam desses contextos para conservar sua identidade." Essa identidade, bastante "transformista" na Bahia, mas decididamente de raiz em Pernambuco, é o fole da impulsão econômica. Por que não poderia ser também por aqui?

Em João Pessoa, a principal expectativa de um carnaval com identidade cultural e perspectiva econômica, penso, está no Carnaval Tradição. Um evento que vem sobrevivendo às turras através das décadas, envolvendo comunidades tão excluídas quanto aguerridas e que se mobilizam em torno de três expressões básicas: o samba, o frevo e o caboclinhos. Três das mais importantes vertentes da cultura popular, aliás. Importantes pontos de partida para uma discussão acerca da revitalização de um evento paupérrimo em investimentos públicos e privados, mas rico no sentido de uma importância estratégica para o fomento da economia das comunidades, a partir da agregação de valores culturais e educacionais no aprimoramento do que já existe.

Por que o Carnaval Tradição e não o Folia de Rua, como referencial? Primeiro porque, atualmente, quando se fala em Folia de Rua, é preciso que se pergunte: qual deles? Com ou sem Muriçocas? Com pagodão virado ou com frevo rasgado? Com cordas ou sem cordas? Com abadás ou sem abadás? Ou seja: parte do Folia de Rua micaroalizou-se. Esta é a realidade. Desta forma perdeu a unidade para uma discussão acerca da sua identidade enquanto instrumento de identidade para um carnaval genuinamente pessoense. Sabe-se que até mesmo alguns abadás são confeccionados fora. Uma ação que pode até ser irrefletida mas, seguramente, conserva o vinco neoliberal visto que a única regra do liberalismo é mesmo o lucro concentrado.

E aí vamos para o vale tudo, para o "cada um por si". Só não vale pensar na aldeia e nas possibilidades colonizantes em pequenas ou largas escalas, dependendo da circunstância. E não resgato e incluo no debate esse modelo nocivo ao que se propõe, se não pelo seu caráter excludente, monopolista, concentrador de renda e diluidor das identidades culturais dos povos.

Conta-se que no período que se seguia a Micaroa, a cidade vivia um vácuo econômico de dar dó. Não é para menos: os trios, os artistas, os abadás, os idealizadores e até mesmo as latinhas de cerveja vendidas no cercado de cordas, vinham da Bahia. Eles estão errados? Não. A cidade de João Pessoa é que precisava abandonar o espírito de colônia dos grandes centros nordestinos e pensar nas suas próprias soluções usando como ponto de partida o velho ditado popular: "farinha pouca, meu pirão primeiro.

Um Carnaval de João Pessoa, enquanto produto cultural de identidade e com razoável potencialidade na impulsão da economia local passa diretamente pelo fortalecimento da poderosa cultura popular oriunda da próspera Capitania de Itamaracá que, às vezes nos confunde com Pernambuco ou nos revela uma paraibanidade que ao contrário de estabelecer uma competitividade nociva, amplia as possibilidades regionais, certamente com muito mais benefícios e menos malefícios que a transposição a fórceps do Velho Chico.

Em recentes viagens a cidades próximas como Caaporã e Campina Grande, em pleno período momesco, pude reforçar a idéia de um carnaval multicultural, poderoso economicamente e com identidade perante o Brasil e o mundo. Nessa trajetória de poucos quilômetros, cruzei com Alaursas pelas ruas e na Avenida Duarte da Silveira, com seus batuques instigados, um boi e seus seguidores atravessando a BR em Cajá e um maracatu rural em Caaporã. Enfim, elementos de uma resistente cultura indígena e negra que, somadas ao aprimoramento do chamado Carnaval Tradição, poderá criar um pólo irradiador de elementos que, uma vez agregados, poderão trazer para João Pessoa uma nova perspectiva na economia da cultura e nas potencialidades da cultura popular como instrumento de consolidação de uma identidade local. Enfim, temos essas possibilidades para discutir neste início de ano. E o carnaval que precisa estar em pauta nesse debate, não é o carnaval do passado, mas o carnaval do futuro.

Lau Siqueira

Texto enviado por e-mail pelo autor - em 17/02/08 19:36

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