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TRABALHAR NA UFPB HOJE...POR MARIA EULINA PESSOA DE CARVALHO

Pessoal,

no início deste mês, recebi uma mensagem, por e-mail, contendo uma relato reflexivo elaborado pela profa. Maria Eulina Pessoa de Carvalho, docente do Centro de Educação. Solidarizei-me com a sua iniciativa porque também me preocupo com a qualidade do serviço público que realizamos. Há algum tempo atrás, também elaborei algumas mensagens, socializando minha indignação sobre as condições de trabalho e atitudes detectadas na UFPB. Isso não quer dizer que não existam atitudes louváveis. Existem várias. Queremos colaborar para mudanças nas ações que "emperram" o serviço público, para que adotemos outras atitudes que venham a minimizar as ações coerentes com a missão da UFPB na nossa sociedade. Em razão disso, divulgo o protesto da profa. Eulina, com sua autorização, para ajudar a fomentar uma reflexão que promova algum tipo de mudança em prol da melhoria do serviço público prestado pela UFPB.

Abs.

Erinaldo


Desgastes e desgostos do trabalho docente na UFPB hoje>

Caros Conselheiros da UFPB:

Gostaria de submeter a sua atenção a problemática contida no relato anexo, que não é isolada, ou restrita ao meu centro, nem é recente, mas vem se construindo lenta e insidiosamente criando e consolidando uma cultura de descaso institucional, com implicações para a qualidade do trabalho acadêmico e também para a conservação física da UFPB.

Até escrever este texto, que estou endereçando aos Conselheiros da UFPB, acumulei vários episódios semelhantes aos relatados. Como não vejo melhora, mas piora, passei a minha tarde de domingo redigindo-o e agora uso o horário de almoço desta quarta-feira para enviá-lo à lista de e-mails dos Conselhos - que, por sinal, está incompleta.

Cordiais saudações,

Maria Eulina P. de Carvalho, DHP, CE

TRABALHAR NA UFPB HOJE...
Maria Eulina Pessoa de Carvalho


Os objetivos deste texto são: relatar a vivência de uma hora de trabalho docente no centro de Educação (CE) da UFPB numa sexta-feira das 14 às 15 horas; chamar uma reflexão sobre as condições de trabalho e a cultura institucional vigentes; solicitar posicionamento de nossos dirigentes, responsáveis maiores pela condução da vida institucional.

Alerto, de início, que não tenho nada pessoal contra meus dirigentes, nem contra nenhum funcionário ou funcionária da casa, todos simpáticos, simpáticas, e alguns bem queridos ou queridas. Contudo, se continuarmos reproduzindo a cultura institucional vigente, descrita a seguir, estará em grande risco o patrimônio público e a educação superior pública na Paraíba, o que não pode ser desprezado. Vamos aos fatos e às reflexões.

1. Implicações do trabalho docente hoje

Sexta feira, 27/11, o Projeto Prolicen “Em Cena”, de formação em gênero e diversidade sexual, tinha uma atividade programada das 14 às 17 horas: assistir a um filme e debatê-lo. Dirigi-me ao local reservado, a Sala de Reuniões do Ambiente de Professores do CE, carregando laptop e data show comprados com recursos de projetos, porém me faltavam caixas de som. A bolsista já tinha pego a chave da sala e do armário, que contém vários equipamentos, porém não encontramos o controle do ar-condicionado, indispensável numa tarde quente numa sala sem circulação de ar. Entre várias caminhadas até a secretaria e outros locais do centro, aprendi que:

• O controle do ar-condicionado da sala de reuniões é compartilhado com o do LIG, porque um se perdeu ou está quebrado;
• Não é possível usar o equipamento de som da sala de reuniões do Ambiente de Professores do CE (que tem caixas de som embutidas no teto, mesa de som etc.) porque todos os equipamentos estão desconectados;
• Mesmo que estivessem conectados, não haveria quem os manejasse, pois o funcionário da tarde encarregado disso havia faltado ao trabalho. (Numa outra ocasião, a aula inaugural do Curso EAD/UFPB Virtual Gênero e Diversidade na Escola, ele chegou atrasadíssimo ao expediente da tarde e não sabia ligar os equipamentos do novo auditório.)
• No Lated também não se utiliza o equipamento de som instalado, ou porque não funciona, ou porque não há funcionário que saiba fazê-lo funcionar.

Solução: procurar sala equipada disponível em outro centro ou arranjar caixas de som emprestadas. O Prof.Valdemarin, meu colega do DHP, estava também se movimentando para conseguir cabos de conexão para passar um filme em sala de aula do CE; enquanto esperava um funcionário (o único portador de uma chave de armário, onde se encontram guardados os cabos), já havia se dirigido ao CCHLA em busca de uma sala equipada. Eu poderia mudar minha atividade para essa sala do CCHLA. Ou então poderia esperar que o Prof. Fernando Andrade, meu parceiro de projeto, concluísse a exibição de um filme curto em sua aula e me emprestasse suas caixas de som. Este colega é proprietário de laptop, data show e caixas de som próprias, que carrega para a sala de aula, segundo revelou, para não depender dos recursos institucionais e não acumular frustrações.

Comecei a atividade do “Em Cena” às 15 horas, com uma hora de atraso, pedindo desculpas aos participantes. Só o Prof. Fernando conseguiu ser pontal, nessa tarde, porque funciona com total autonomia, enquanto eu e o Prof. Valdemarin perdemos muito tempo correndo para lá e para cá. Será um sonho impossível chegar um dia em sala de aula da UFPB e encontrá-la aberta na hora marcada, com o ar-condicionado ligado, e um funcionário a postos com o equipamento ligado para iniciar a atividade, só esperando o pen drive ou DVD? Será esse um cenário indesejável?

Nesses 60 minutos da sexta-feira, que antecederam o início da minha atividade docente, aprendi ainda que:
• O armário de equipamentos da Sala de Reunião do Ambiente dos Professores do CE encontra-se infestado de cupins e todos os equipamentos que lá se encontram estão literalmente entregues aos cupins, sem uso!
• Há funcionário da Secretaria do CE que, aparentemente, não sabe ler um quadro de reserva de salas. Quando procurado pela bolsista para confirmar reserva do Lated, feita anteriormente, informou estar reservado à tarde para outra atividade, o que criou trabalho extra de busca de nova sala e divulgação da troca. Ele repetiu a leitura equivocada do quadro na minha frente, quando eu buscava sala alternativa e constatara que o Lated estava sem uso na ocasião.
• Três caixas contendo livros da Biblioteca do CE, no chão do corredor, estavam indo para o lixo por estarem tomados por cupins, conforme fui informada pelos empregados da limpeza, terceirizados.

Nessa sexta-feira à tarde, a Biblioteca estava sendo lavada. Por que se lava uma biblioteca no horário do expediente? Será demais sonhar que um dia teremos uma Biblioteca aberta 24 horas de domingo a domingo como a da Michigan State University, nos Estados Unidos, onde fiz meu doutorado? Será impróprio querer “imitar” isso, nós, colonizados, que importamos tanta besteira? Afinal, temos supermercados e lojas de conveniência 24 horas em João Pessoa!

E os livros que foram para o lixo? Quem tomou essa decisão? Não haveria alternativa para recuperá-los? Não encontrei nenhum funcionário da Biblioteca para indagar! Será que fizeram uma lista dos livros perdidos para reposição? Entre eles estava um clássico, de releitura oportuna na era das tecnologias da informação e comunicação: “A Escola esta morta”, de Everett Reimer, edição esgotada, hoje disponível apenas em sebos on line como “www.estante virtual.com.br” e “www.traca.com.br”

Para resumir os desgastes e desgostos do trabalho docente, hoje, na UFPB, um professor ou professora deve solicitar que o funcionário abra a sala de aula ou passe-lhe a chave do ambiente reservado para uma reunião, ficando o professor ou professora encarregado de abri-la, ligar as luzes e equipamentos, e depois desligar tudo, fechar e sair procurando um funcionário para entregar a chave, o que, em alguns casos, não é preciso, pois basta fechar com um cadeado. No prédio da pós-graduação, os funcionários e funcionárias podem sair às 5 da tarde, no máximo, enquanto as professoras e professores dão aula até 18:00.

Além disso, os docentes devem carregar seus próprios equipamentos como laptop, data show e caixas de som. Foram comprados equipamentos no Centro de Educação, mas muitos estão quebrados ou foram (inexplicavelmente) roubados! Por esse motivo, nós docentes somos agora encarregados da segurança das salas, onde só os alunos e alunas só entram junto com o professor! Mesmo nas salas de aula que ainda têm o data show numa jaulinha no teto, com conexões embutidas na parede, o professor que leva seu próprio laptop ouve do funcionário sugestão para que compre seu próprio cabo, simplesmente para não incomodar o funcionário, que se encontra conversando no corredor, com a solicitação de abrir o armário e entregar-lhe o cabo. Depois de ouvir isso, será ousado e impertinente o docente que solicitar ao funcionário que instale o cabo e ponha o equipamento para funcionar!

Professor tem de fazer isso também, instalar equipamentos, além de fazer ensino, pesquisa, orientação e extensão, assistir a reuniões, participar de comitês, estudar, escrever, publicar, dar pareceres, redigir e imprimir seus próprios ofícios e documentos com sua própria impressora e papel, atender alunos/alunas, concorrer a financiamento de projetos, manter em dia a correspondência eletrônica e o Currículo Lattes. E que inferno se torna a vida de um/a docente que tem de fazer a gerência financeira de um projeto, sem ser contador nem especialista em finanças públicas, um outsider, ignorante da (gigantesca) burocracia, e sem contar com a devida informação, orientação e apoio institucional!

E que não vá atrás de algum processo, correndo, na Reitoria, às 11:50, ou depois das 17 horas, porque o funcionário já saiu para o almoço ou já encerrou o expediente.

2. Cultura institucional e condições de trabalho acadêmico

Contextos, formas e relações de trabalho vêm mudando. O trabalho docente, em particular, tem se expandido e se diversificado para incluir e implementar novos métodos de ensino, além da pesquisa e da extensão, inclusive com o uso das tecnologias da informação e comunicação; com isso, tem se intensificado para aquelas e aqueles docentes que atuam na graduação e na pós-graduação, fazem pesquisa e extensão, apresentam trabalhos em eventos científicos e publicam. Ademais, as universidades públicas estão crescendo em matrículas e novos cursos, o que coloca novos desafios de planejamento e avaliação.

No Centro de Educação, enquanto os cupins comem os livros e se aninham nos equipamentos eletrônicos, num prédio antigo, um novo prédio está sendo construído, lentamente... A mobília para o novo prédio já chegou e se empilha nos corredores e salões dos prédios antigos. Num deles, o do ambiente de professores, as portas e janelas estão em péssimo estado; na sexta feira, 27/11, quando encerrei minha atividade às 18:00, não havia luz no banheiro feminino. Se não damos conta de conservar os prédios antigos, os livros e equipamentos já adquiridos, como cuidaremos do prédio novo? Temos capacidade para crescer? Já se vê, sem precisar ser especialista, que há um problema de planejamento!

Nos três dias que antecederam essa sexta-feira à tarde em que perdi uma hora de trabalho propriamente acadêmico, para viabilizar uma atividade de um projeto, aberto à comunidade, os funcionários da UFPB fizeram uma paralisação. Nesses dias de paralisação, exceto pelo fato de terem fechado três dos portões de acesso, não afetaram o meu trabalho. Eu tenho aprendido a funcionar sem o apoio importante que o trabalho deles deveria proporcionar às atividades acadêmicas.

A UFPB é a única instituição federal de ensino superior cujos funcionários trabalham meio expediente, salvo exceções (cargos especiais). Dizem que conquistaram o direito ao expediente corrido de 6 horas. Mas de fato, por onde transito, constato que o expediente é no máximo de 4 horas. Por exemplo, antes do meio dia os departamentos do meu centro estão todos fechados; e de noite, então, às 21 horas já não há ninguém. Com expediente corrido, por que haveriam de fechar?

Quando recordo, com tristeza, os livros e equipamentos infestados de cupim na Biblioteca e Sala de Reuniões do CE, me ocorrem as seguintes perguntas: ninguém notou? Ninguém limpou? Ninguém cuidou? A quem caberia zelar pelos livros e equipamentos? Assim como numa casa uma dona de casa confia na faxineira e não fiscaliza o estado de conservação de objetos e equipamentos diariamente, numa universidade o Reitor ou o Diretor não pode verificar tudo. Eles e todos nós, docentes e discentes, dependemos do trabalho diligente de funcionários, bibliotecários, encarregados de equipamentos, que por sua vez orientam os funcionários da limpeza, os terceirizados.

Com esse reduzido expediente, e com a falta de interação/comunicação entre os que trabalham em diferentes turnos e jamais se encontram, como garantir sequer a conservação do patrimônio público?

3. Que fazer e o que cabe a cada um de nós?

Como mudar essa cultura de não trabalho e descaso com a coisa pública, própria de funcionários públicos que se desvirtuaram, presente na UFPB, mas não apenas nela?

Corro o risco de ser antipatizada: por dirigentes que não gostam de críticas, só de elogios! E por funcionários e funcionárias que não estejam conscientes da importância da universidade pública para a comunidade, para o Estado, o País e até mesmo para o futuro de seus filhos e filhas.

Já ouvi de alguém que fazer os funcionários cumprirem horário e melhorarem a produtividade depende da cobrança dos chefes imediatos. Todavia, no atual estado de coisas, nessa cultura institucional consolidada de não trabalho e descaso é preciso uma ação concertada: orientação superior e cobrança de todos os chefes em todos os níveis da gestão. É preciso conscientização, apelo, convencimento e... sanção.

No Brasil, desde a década de 1990, conquistamos estruturas de participação democrática, como os diversos Conselhos, inclusive os escolares, mas não estabelecemos ainda práticas de participação cidadã. Não temos tradição democrática de base. Nesse contexto, como dispensar a “orientação superior”, a liderança dos dirigentes, eleitos pelo voto, nos processos de mudança?

Infelizmente, no democratismo eleitoreiro que se instalou na universidade brasileira, em particular na UFPB, nossos dirigentes são reféns dos votos dos funcionários, que têm um peso enorme nas eleições.

Esse nó tem de ser desatado, e já passou da hora. Como vamos realizar e sustentar a expansão da universidade, reproduzindo essas condições e práticas de trabalho, como as que vivenciei e descrevi acima, que sobrecarregam docentes e prejudicam o trabalho acadêmico? O que têm a dizer sobre isso os dirigentes e os docentes que compõem os conselhos superiores da UFPB?

Comentários

Flávia Pedrosa disse…
Espero que isto sirva de reflexão para que a mudança aconteça. Aqui na UNIVASF não temos este problema, o pessoal da gerência atua corretamente e os funcionários até ficam mais do que o tempo de serviço para auxiliarem os professores.
Torço por melhoras e reformulação destas atitudes, pois a pior coisa para um professor que já tem tantas atividades é ser encarregado de tarefas extras, que não dinamizam, burocratizam suas aulas. Quanto aos livros, que absurdo!
Emanuel Guedes disse…
Quando lecionei na UFPB, entre 2007 e 2009, acabei vivenciando situações como estas.Por mais que alguns queiram "fazer o que se deve e o que se é de direito" há uma parcela que atravanca os que persistem em desenvolver um trabalho.Ambientes adequados e funcionários conscientes são necessários ao andamento eficiente e eficaz de um processo,em qualquer instância educacional
artesdeaffonso disse…
excelente blog, já virei fã e seguidor!!! parabéns!!!

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