De Salvador (BA)
(foto: Francisco Stuckert/ Futura Press)
Costumava, em todo início de ano, logo na primeira semana de aula,
fazer um investigação sumária sobre o nível de informação dos meus alunos de redação.
Nada que exigisse metodologia complicada, tabelas e complexidades estatísticas, nada disso.
A avaliação consistia na apresentação de alguns itens expressos por nomes,
fórmulas, frases, siglas, representativos do patrimônio cultural da humanidade
em épocas distintas e que, em tese, qualquer ser humano,
pretendente a uma carreira no nível superior de ensino, deveria conhecer.
Algumas referências da lista: OMC, BIOÉTICA, "PENSO; LOGO EXISTO",
OS NOMES DE TRÊS MINISTROS DO GOVERNO DE ENTÃO
e SUAS RESPECTIVAS PASTAS etc.
Pois bem. Era de se esperar que a garotada cevada de informações
nos melhores colégios de Salvador, a preços que ficam na média de R$1.500, tirasse
de letra um elenco de atualidades tão óbvias.
Qual nada! Havia turmas em que 55% dos estudantes
não sabiam dizer uma palavra sequer sobre qualquer um dos itens apresentados!
Na maioria dos que o faziam, a resposta era sempre superficial,
limitando-se, no caso das siglas, a "traduzir" o que elas significam.
Relacionar algum dos itens com a sua realidade?
Dizer o quanto, por exemplo, uma decisão da OMC
podia afetar o seu dia-a-dia de jovem da periferia capitalista?
Nem pensar! Em compensação, esses garotos e garotas tinham,
na ponta da língua, o caminho para resolver todas as complicações
dos NÚMEROS COMPLEXOS, discorriam soberanamente
sobre as TRÍADES DE DÖBENREINER,
e conheciam profundamente o CICLO DE VIDA DAS ANGIOSPERMAS.
Informações que, a depender da carreira escolhida,
ele jogaria na lata do lixo no primeiro dia de universidade.
Caso se perguntasse qual a conseqüência da queda
dos juros no padrão de vida de sua família - coisa que afeta seu cotidiano imediato -
eles não saberiam responder.
Não admira que esses estudantes, transformados em candidatos ao Enem,
exibissem um número médio de acertos que mal chega a 50% da prova.
Por quê? Pelo simples fato de que esse exame vale-se de uma prova
que investiga competências e habilidades e não apenas capacidade de memorizar dados.
Uma prova que pede um olhar sintonizado com a contemporaneidade dos fatos científicos
e a relação destes com a nossa vida. E a escola que nós temos, infelizmente,
não prepara nossos jovens para, inteligentemente, "ligarem as coisas".
Pergunta para reflexão: que sistema de ensino é esse que premia a "decoreba",
cria um programa de cultura inútil que massacra a cabeça da garotada
e não deixa espaço na mente do aluno para a inteligência e a reflexão?
O debate sobre o futuro do País passa por aí.
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